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The Left Hand of Darkness (Ursula K. Le Guin)

Não sou uma leitora entusiasmada de ficção científica; assim, não tinha muitas expectativas antes de começar a desbravar o livro mais renomado de Ursula K. Le Guin. Acabei tendo boas surpresas ao longo da experiência, ainda que a obra não se tenha tornado necessariamente uma favorita.

A questão da definição do gênero sexual é o ponto alto do universo proposto pela autora. Há sim um descompasso entre o que entendemos hoje por definição sexual e a data de publicação do livro (anos 1960), mas a premissa continua válida: e se não nascêssemos sob nenhum gênero — em que isso nos mudaria enquanto seres humanos?

Além do mote inovador, o que me captou na escrita de Ursula são as frases bonitas, que aqui e acolá permeiam a narrativa. São máximas bonitas e verossímeis, considerando o contexto em que os personagens têm de descrever seu planeta e modo de viver de forma clara e abrangente. 

No final, a impressão mais forte que tive da leitura foi a sensação de quem se defrontou com uma bonita história de amor. Mais do que os elementos da ficção científica, o que encanta é o quanto a obra lida com sentimentos que são nossos conhecidos — independentemente do gênero sexual ou da espécie interplanetária.


 

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