Protagonistas femininas para um romance escrito por uma mulher - uma mudança de perspectiva tão necessária em meio a esses nossos cânones machistas. Rachel de Queiroz é escritora de mão cheia, e não se deixa vender ao estereótipo de moça que escreve para relatar seus conflitos pessoais. Sua obra é social, intensa, mas sem diminuir o interesse psicológico de seus personagens.
Trechos:
"A gente pensa que a infância ignora os dramas da vida. E esquece que esses dramas não escolhem oportunidade nem observam discrição, exibem-se, nus e pavorosos, aos olhos dos adultos e aos dos infantes, indiferentemente."
"-Conheça o teu lugar, minha filha.. (Isto é: 'Pense em quem é você, na mãe que lhe teve, mulher sem dono e sem lei, que lhe largou à toa, criada por caridade. A vida se mostra, à sua frente, bela, sedutora, iluminada. Mas, para você, é apenas uma vitrina: não estenda a mão, que bate no vidro; e não despedace o vidro; você sairá sangrando... Contente-se em olhar, pode até desejar, se quiser. Mas fique nisso. Vá para o Colégio: estude com as outras, vista o que elas vestem, ria com elas, brinque com elas. Afine o seu coração pelo delas, e, se quiser, aprenda o que é o amor, leia os livros e sonhe! Mas quando chegar a sua hora, recue, deixe o estudante sentimental que lhe faz serenatas, não se atreva a pensar no menino de família, e procure um da sua igualha. Nunca esqueça, porque ninguém lhe permitirá jamais esquecer, a sua marca original, o ventre manchado que a gerou, o dia escuso que a viu nascer...)"
"A gente nunca aceita o fato quando ele sucede e como sucede; não sei se alguém já pensou nisso antes, mas sempre me pareceu que um fato, para ter verdadeiramente realidade, precisa acontecer subjetivamente dentro de nós, depois de ter acontecido objetivamente no mundo real."
"Que palavras poderão exprimir a impressão de comunicação impossível, implacavelmente destruída, de inutilidade absoluta de qualquer esforço de distância, de ruptura, de quebra de todos os laços, que nos dá a presença de um morto?
Para que se faz um gesto ainda, para que se beija a sua testa gelada, para que as flores, por que se fica ali em redor, naquela espantosa vigília, espreitando a decomposição, assistindo o afastamento piorar, vendo aquele que nos foi tudo - amor, filho, pai, mãe, irmão - ir-se tornando a cada instante mais indiferente e longínquo, mais desconhecido, mais intruso e terrível?"
"Aliás, ainda hoje , que sei eu do amor? Como será a atitude de um homem diante de cada mulher que possui? Qual a diferença que ele pode estabelecer entre uma posse e outra posse?"
"E no entanto ela [personagem carola] acha direito a desigualdade, a miséria, a doença. Não se revoltou quando foi comigo à Santa Casa e viu os doentes apodrecendo pelas camas, cheirando mal, de barriga inchada, mãos esqueléticas, pele verde de mortos.
Maria José acha direito a carrocinha de cachorros. Acha direito Dona Júlia dar bolos na molequinha que leva as marmitas. Afinal de contas, quem ensinou a ela o que é o mal?"
Trechos:
"A gente pensa que a infância ignora os dramas da vida. E esquece que esses dramas não escolhem oportunidade nem observam discrição, exibem-se, nus e pavorosos, aos olhos dos adultos e aos dos infantes, indiferentemente."
"-Conheça o teu lugar, minha filha.. (Isto é: 'Pense em quem é você, na mãe que lhe teve, mulher sem dono e sem lei, que lhe largou à toa, criada por caridade. A vida se mostra, à sua frente, bela, sedutora, iluminada. Mas, para você, é apenas uma vitrina: não estenda a mão, que bate no vidro; e não despedace o vidro; você sairá sangrando... Contente-se em olhar, pode até desejar, se quiser. Mas fique nisso. Vá para o Colégio: estude com as outras, vista o que elas vestem, ria com elas, brinque com elas. Afine o seu coração pelo delas, e, se quiser, aprenda o que é o amor, leia os livros e sonhe! Mas quando chegar a sua hora, recue, deixe o estudante sentimental que lhe faz serenatas, não se atreva a pensar no menino de família, e procure um da sua igualha. Nunca esqueça, porque ninguém lhe permitirá jamais esquecer, a sua marca original, o ventre manchado que a gerou, o dia escuso que a viu nascer...)"
"A gente nunca aceita o fato quando ele sucede e como sucede; não sei se alguém já pensou nisso antes, mas sempre me pareceu que um fato, para ter verdadeiramente realidade, precisa acontecer subjetivamente dentro de nós, depois de ter acontecido objetivamente no mundo real."
"Que palavras poderão exprimir a impressão de comunicação impossível, implacavelmente destruída, de inutilidade absoluta de qualquer esforço de distância, de ruptura, de quebra de todos os laços, que nos dá a presença de um morto?
Para que se faz um gesto ainda, para que se beija a sua testa gelada, para que as flores, por que se fica ali em redor, naquela espantosa vigília, espreitando a decomposição, assistindo o afastamento piorar, vendo aquele que nos foi tudo - amor, filho, pai, mãe, irmão - ir-se tornando a cada instante mais indiferente e longínquo, mais desconhecido, mais intruso e terrível?"
"Aliás, ainda hoje , que sei eu do amor? Como será a atitude de um homem diante de cada mulher que possui? Qual a diferença que ele pode estabelecer entre uma posse e outra posse?"
"E no entanto ela [personagem carola] acha direito a desigualdade, a miséria, a doença. Não se revoltou quando foi comigo à Santa Casa e viu os doentes apodrecendo pelas camas, cheirando mal, de barriga inchada, mãos esqueléticas, pele verde de mortos.
Maria José acha direito a carrocinha de cachorros. Acha direito Dona Júlia dar bolos na molequinha que leva as marmitas. Afinal de contas, quem ensinou a ela o que é o mal?"
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