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Mostrando postagens de janeiro, 2021

Soul (filme de 2020)

Com um protagonista de meia-idade e quase nenhuma criança ao longo do enredo, Soul é um filme muito mais voltado para adultos do que para o público infantil, que costumava ser o interlocutor privilegiado das produções Disney/Pixar. Cabe destacar também o tema da representatividade, trabalhado com muito mais afinco nesta produção, em que vários personagens são negros, inclusive o principal. Esse elemento pode ser percebido até na forma como os cenários são retratados: não há idealização em demasia da cidade ou da contemporaneidade. Desde a sujeira no banco do metrô até a solidão de quem almoça sozinho no fast-food , os elementos de desglamourização da vida adulta dão as caras a todo momento na produção. Além disso, algumas piadas só são completamente entendidas por quem já tem alguma experiência de vida – como a do adulto que, iluminado, decide mandar seu emprego maçante para as cucuias. Apesar de todos esses elementos, que tornam Soul  um filme destinado a uma faixa etária mais ampla,

Josep (filme de 2020)

Josep  é uma animação pautada na vida do desenhista catalão Josep Bartolí, que foi preso em um campo de concentração francês após a Guerra Civil Espanhola. Além de a obra do artista já ser uma boa justificativa para um documentário (ainda mais no formato escolhido, de longa-metragem contado por meio de desenhos), o contexto histórico é outro elemento que angaria a atenção do espectador. O recorte de um período histórico bastante específico, além de retomar a ideia de que não apenas a Alemanha teve campos de concentração, é bastante enriquecedor. Além disso, as demais figuras com que Bartolí se relaciona ao longo da vida – como Frida Kahlo – ajudam a tornar o pano de fundo da vida do artista ainda mais interessante. Outro aspecto que chama a atenção é o fato de passado e presente serem intercalados na obra, mostrando que a falta de humanidade de meados do século XX continua presente hoje – ainda que em contextos menos abrangentes, como em um núcleo familiar pequeno.  

9 Stories (J. D. Salinger)

Não imaginava que ainda iria gostar tanto de Salinger; ano passado, retomei The Catcher in the Rye  e me surpreendi ao perceber sutilezas que passaram totalmente despercebidas na minha primeira leitura. Agora, resolvi continuar pelo universo do autor adentrando, aos poucos, o recanto da família Glass. Assim como fiz com The Catcher , me propus uma leitura mais pausada dos 9 contos que compõem a publicação. Acompanhando as aulas (no YouTube) do tradutor Caetano Galindo, pude atentar-me a detalhes essenciais para o desenvolvimento das tramas e que mostram a maestria do autor, especialmente na construção de diálogos.  Talvez o meu conto preferido seja "Teddy", que encerra a obra; no entanto, ao contrário do que usualmente ocorre em coletâneas, creio que gostei de todas as peças que compõem a publicação em uma medida muito parecida. Em todos os contos, há várias camadas de significados que enriquecem a leitura e que, além disso, podem remeter à macroestrutura da obra que o autor

Macanudo 10 (Liniers)

Por ser um volume publicado em comemoração aos 10 anos de Macanudo, há a presença de vários personagens que transitam pelas tiras da série; assim, ao contrário de algumas coletâneas anteriores, não é possível identificar um ou outro protagonista que tenha mais destaque que os demais na publicação. O universo onírico, psicodélico, filosófico de Liniers me encanta. No entanto, como fazia tempo que não lia nenhum volume de Macanudo, fiquei um tanto incomodada com o conteúdo de duas ou três tirinhas, que faziam piadas ruins (ou más) em relação a temas delicados como cor de pele e estereótipo do gênero feminino. Fiquei mais atenta em relação ao conteúdo produzido pelo cartunista, mas continuo gostando bastante do conjunto até agora.

Voyage en France (Sylvie Lainé)

Ao contrário do primeiro graded reader que li de Sylvie Lainé para a aprendizagem de francês, este me pareceu muito mais interessante. Talvez o fato de ser uma espécie de novela, focada em dois personagens e com uma temática mais precisa, tenha sido o grande diferencial – já que a minha primeira experiência com a obra da autora foi um livro curto de contos.  O casal Melba e Louis, que guia a trama, traz um pouco o ar de comédia pastelão ao enredo, mas sem serem estereotipados de maneira negativa. Apesar da simplicidade do vocabulário, dá para se divertir com a leitura.

Heimat: ponderações de uma alemã sobre sua terra e história (Nora Krug)

Se a II Guerra continua definindo os motes de tantas produções culturais, é porque está atrelada a muito do que construímos – sejam crenças, culturas ou políticas – ainda hoje. Nesse aspecto, uma das propostas que me parece mais justas ao retomar o tema do conflito é o resgate das memórias de família, tentando traçar as linhas que uniram os destinos dos ancestrais aos rumos políticos entre 1939-1945. "Heimat" aposta na escavação dos escombros familiares para tentar traçar a história da própria autora – uma alemã que vive nos Estados Unidos e, paradoxalmente, se sente mais ligada à própria pátria quanto mais descobre o quão difusas e intrincadas são suas raízes.  Mesmo para quem não gosta – ou não aguenta mais – produções culturais relacionadas à guerra, o livro pode ser surpreendente. Com cara de álbum de família, mistura retratos, fotos, documentos históricos e quadrinhos, criando um provocador amálgama de gêneros. O único ponto que me incomodou um pouco na leitura é a espéc

Matrix (filme de 1999)

Apesar de ter demorado mais de duas décadas para finalmente assistir a Matrix, tive a vantagem de poder entender o porquê de o filme ser considerado um clássico – afinal, ele resistiu bem à passagem do tempo. Com exceção dos computadores de tubo, o restante das explicações tecnológicas que a história apresenta continuam verossímeis, considerando o contexto da ficção científica. Um dos pontos que mais me pareceu atual foi o trabalho com a diversidade. Muito antes de algumas pautas étnicas e feministas ressurgirem com força, já havia a preocupação de colocar vários personagens negros em posição de destaque, além de uma protagonista típica do lema #fightlikeagirl. Ainda que as cenas de luta tenham me cansado um pouco, o fato de terem uma motivação forte atrelada ao cerne do enredo foi o suficiente para me fazer gostar deste primeiro filme, mas não a ponto de me aguçar a ver as continuações feitas até agora.

Meet the Censors (filme de 2020)

Ser norueguês talvez tenha sido um bom álibi para o diretor deste documentário, Håvard Fossum, conseguir entrevistas poderosas em países tão diversos como Índia, Irã, Alemanha, Sudão do Sul, China e Estados Unidos. Todas essas incursões pelo mundo são motivadas a entender como a censura funciona e se, em algum caso, ela poderia ser moralmente justificável. Ainda que seja organizado em blocos (cada um correspondendo a um país pelo qual o diretor passou), há uma malícia instigante no modo de dispor os recortes de entrevistas e de cenas capturadas nos diferentes locais. Pelo modo como as informações são colocadas, nos deparamos com muitas perguntas em aberto, ironias, contradições... sem que haja a necessidade de uma legenda explicativa. O efeito é o de mostrar uma direção que confia em um público inteligente, capaz de chegar a conclusões próprias pelo simples amálgama das cenas. Outro ponto fundamental para a coerência do documentário é o de não chegar a uma resposta, em momento algum. A

Tenet (filme de 2020)

"Tenet" pode ser traduzido por dogma ou princípio; além disso, a palavra também é um interessante palíndromo (ou seja, pode ser lida do começo para o fim ou vice-versa). Só pelo título, já podemos ver que o novo filme de Christopher Nolan retoma algumas das características fortes na obra do diretor, como o trabalho com a temporalidade e o questionamento de certezas científicas. O mote da história é difícil de definir, mas basicamente se trata de uma viagem no tempo – como sempre, paradoxal e controversa – para tentar impedir ações que levariam ao fim do mundo. Mais do que in media res , o filme quase que começa ao contrário, na tentativa de realizar, na forma, o princípio que alimenta o conteúdo do enredo. Entre as muitas perguntas que nos animam ao terminar de assistir ao filme, uma das maiores é se a obra pressupõe uma continuação, um "Tenet parte II" – que, ainda seguindo a lógica de Nolan, talvez fosse a verdadeira parte I do filme de 2020.

Rohan no Louvre (Hirohiko Araki)

A ideia central da história foi o que me cativou a iniciar a leitura do mangá, volume único: a de um personagem com um superpoder especial. O que o protagonista da história consegue fazer é ler as pessoas que o rondam como se fossem livros e, se quiser, modificar as histórias delas. Fora isso, a trama criada para o livro é bem redondinha, o que é de se esperar em uma obra curta e sem continuação. Não tem nenhum elemento genial, mas é o suficientemente coerente para prender a atenção do leitor, além de criar uma metalinguagem interessante e dialogar bem com o ambiente artístico de um museu.

Eu morreria por ti e outras histórias (F. Scott Fitzgerald)

Composto de três contos, o livro apresenta algumas das histórias de Fitzgerald menos conhecidas do público brasileiro. O primeiro conto, "A promissória", traz uma solução para o enredo que é quase o fim de uma comédia pastelão. Ainda assim, talvez tenha sido a história que mais me interessou, por mostrar muito da dinâmica editorial de lançamento de um livro com vendas garantidas. "Fazer o quê" já tem o tom de uma comédia romântica, sem deixar de pintar alguns personagens burgueses com uma ironia mais aguda. Por fim, o conto "Eu morreria por ti" consegue misturar elementos trágicos com um sentimento de desapego pela vida, em que tudo simplesmente passa, enquanto personagens sem muita força de vontade assistem ao desenrolar do próprio destino.  

Batoquim: um conto oriental (Thais Ueda e Yumi Takatsuka)

O conto oriental selecionado para esta obra infantil é bem instigante e, provavelmente, tem o poder de captar a atenção das crianças. No entanto, o ponto alto do livro são as ilustrações, feitas com tinta de uma forma quase não figurativa, o que tende a estimular o poder de interpretação dos pequenos. Tenho breves considerações, contudo: além de haver muitos buracos de texto por conta da diagramação, senti falta de um direcionamento para conhecer o instrumento musical batoquim. Como a translineação da palavra não leva instantaneamente a vídeos ou fotos em uma pesquisa pela internet, talvez um QR Code com imagens/playlist pudesse ajudar a aguçar mais o interesse do público pelo livro.  

Moisés Negro (Alain Mabanckou)

Ao saber que o clube de assinatura da Tag Experiências Literárias havia escolhido um livro de Mabanckou, fiquei frustrada. Afinal, m inha primeira impressão sobre a obra do autor, com "Black Bazaar", foi bastante negativa.   Confesso que o menor dos males foi a escrita do autor, que realmente é bastante fluida e fácil de acompanhar.  Ainda consegui perceber traços de um machismo mal disfarçado, mas bem menos ululante do que o do livro que havia lido anteriormente.  De resto, o enredo não me cativou, mas foi interessante acompanhar um ponto de vista dissonante sobre a burocracia estatal e sede de poder dos regimes socialistas.

A mão do pintor (María Luque)

Leitura que escolhi para iniciar 2021, "A mão do pintor" ficou bem abaixo das minhas expectativas. O que sabia do livro até então — um quadrinho biográfico em que a autora explora a vida do pintor Cándido López, famoso por retratar a Guerra do Paraguai mesmo após perder a mão direita durante a batalha — até agora me parece um ótimo mote, mas não me identifiquei com o modo como foi executado. Não apreciei o traço de María Luque, particularmente. Além disso, o fato de a edição não contar com nenhuma foto de obra de Cándido López, que possibilitasse a comparação entre os estilos de desenho, não foi de grande ajuda. Os momentos de alívio cômico da história me pareceram um tanto simplistas também. Enfim, talvez tenha ido com a expectativa de uma obra diferente ao bote... De fato, não se trata de um livro ruim (só não é tão bom quanto eu esperava).