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Mostrando postagens de maio, 2019

Entardecer (filme de 2018)

Não é preciso consultar muitos estudos para saber que, com a imediatez que a internet nos proporciona, nosso tempo de atenção diminuiu consideravelmente. Talvez isso explique o porquê de tantos filmes contemporâneos investirem em cenas impactantes logo nas primeiras tomadas: um jogo de tudo ou nada, aposta alta no interesse do espectador. Ainda que se passe no Império Austro-Húngaro no começo do século XX, "Entardecer" é um longa quase frenético, em que a narrativa se desenrola com vigor e velocidade. Partindo do in media res , somos guiados por uma protagonista da qual quase nada sabemos. Uma das propostas do filme é, portanto, envolver o espectador em descobrir os enigmas que marcam a história da personagem. O discurso acelerado não proporciona a criação de vínculos muito fortes com os personagens que aparecem em cena - e que não são poucos. Ainda que seja uma obra interessante de acompanhar, a construção em modo fast forward  não convence inteiramente.

O gênio e o louco (filme de 2019)

Filmes que trabalham o amor pela linguagem costumam me ter como público cativo. Não foi diferente com o "O gênio e o louco", que me conquistou pelo mote - a história por trás da 1ª edição completa do Dicionário de Oxford. De fato, tudo que se refere ao trabalho editorial e de análise de linguagem é muito interessante ( per se ) e garante algumas boas cenas à obra. No entanto, convenhamos: é um longa feito ao modo de Mel Gibson (ainda que ele não seja o diretor). O que não é paixão pela linguagem se converte em cenas de violência e muito sangue, seguidas atentamente por uma câmera frenética e ululante.  Por algumas poucas boas tomadas, não chega a ser um longa de todo descartável. Mas é previsível, moralista e temperamental; haja paciência para prosseguir na empreitada.

Corpocárcere (Donny Correia)

Tive um vislumbre da obra de Donny Correia ao ler um de seus poemas na "Antologia (in)completa da poesia contemporânea brasileira"; desde então, fui atrás de todos os livros que consegui encontrar do autor. Em "Corpocárcere", não só pude reler (mais um vez) o poema que me encantou, como fui apresentada a uma série de textos que aprofundam a mesma temática: a vil relação entre corpo e sujeito, entre um corpo e outro. Na construção de um diálogo (in)direto com Augusto dos Anjos, Correia nos propõe outros modos de escarrar nessa boca que nos beija: sua escrita flerta com males mais modernos que a tuberculose dos românticos, criando uma coletânea de enfermidades diversas. Em meio a um panorama de degradação, a beleza da composição poética ganha ainda mais ênfase.

Perdidos na tradução (Iuri Abreu)

O livro "Perdidos na tradução" dá conta de um antigo clichê: a ideia de que títulos de filmes estrangeiros ou são mal traduzidos e/ou sofrem adaptações culturais inexplicáveis. Trata-se de uma obra leve, divertida, capaz de satisfazer uma ou outra curiosidade linguística. Em comentários sobre o livro na internet, há muitas críticas relativas a um suposto desconhecimento do enredo dos longas cujos títulos são analisados. Como desconheço boa parte deles, não pude confirmar se são ressalvas válidas ou não. De minha parte, nem sempre entrei em acordo com o tipo de humor que o escritor propõe - por vezes agressivo, por vezes pincelado de algum preconceito.

3 faces (filme de 2018)

A primeira cena de "3 faces", filme iraniano, é a do suicídio gravado de uma jovem aspirante a atriz. Apenas neste mote, podemos ver muitas das questões que serão tratadas no longa: o diálogo entre o moderno e a tradição, a repressão feminina, o contraste entre uma cultura milenar e a invasão cultural massiva do ocidente. Além, é claro, da violência que permeia todas essas relações. Filmada no estilo road movie , a produção leva o espectador para o interior do Irã e nos apresenta muitas da contradições e crenças que regem essas comunidades. É quase o retrato de uma tradição prestes a desaparecer - um último respiro do artesanal ante a industrialização e robotização imperantes. Retrato em movimento de comunidades e costumes, mostra faces diversas e em conflito de um país que nos é tão desconhecido.

Um dia, um rio (Leo Cunha, André Neves)

Publicado cerca de um ano após a tragédia de Mariana (e sem poder prever a calamidade de Brumadinho), o livro infantil de  Leo Cunha e  André Neves é uma pequenina obra de arte. Em um meio em que dominam os moralismos, uma literatura infantil que seja crítica e propositora é um respiro - uma breve esperança na possibilidade de criar uma geração melhor. Ou, ao menos, uma geração um pouco menos estúpida.

O tradutor (filme de 2018)

Um filme de produção cubana e canadense, cujo protagonista é um ator brasileiro - conhecido por atuar em produções de língua inglesa - interpretando um hispanohablante professor de russo. A salada da descrição talvez consiga dar uma ideia da deliciosa Babel que é este longa-metragem, de um potencial imenso para todos aqueles que são fascinados por questões linguísticas. Rodrigo Santoro convence muito bem no papel de um cubano; ainda que sua prosódia não seja tão rápida ou natural, o fato de interpretar um professor universitário faz que o tom mais pausado de sua fala nos pareça bastante verossímil. Ainda mais surpreendente são os trechos - relativamente longos, se somados - em que o ator também mostra algum domínio da língua russa. Em tempos de tanto ódio a uma história que se desconhece, "O tradutor" traz uma interessante visão sobre o socialismo - de quem estava do outro lado da cortina de ferro. Ainda que obviamente haja exageros, o contraponto que o filme proporciona