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Mostrando postagens de abril, 2022

Hasta que nos volvamos a encontrar (filme de 2022)

Em inglês, o título do filme é "Backpackers" - mas o que não faltam aqui são incoerências e clichês para retratar quem faz da viagem seu destino. A menina mochileira está sempre festejando e fazendo artesanato, com uma roupa furada, tentando superar um trauma de infância enquanto viaja o mundo... até encontrar o espanhol colonizador (digo, conquistador) do seu coração peruano. Gostei de rever os lugares por onde passei quando fiz a trilha Salkantay (apesar de várias gafes do filme darem a entender que os atores sequer fizeram ou entenderam o percurso completo). A cena do casal apaixonado chegando a uma Machu Picchu vazia, sem nenhum turistazinho, é a cereja do bolo.

Winnie-the-Pooh e The House at Pooh Corner (A. A. Milne) + filme de 1977

Eu não gostava nem um pouco do Ursinho Pooh quando pequena e vi que essa é uma impressão comum para quem assistiu aos desenhos do personagem. Mas que esse desgosto inicial não seja empecilho para a leitura: o livro é excelente, extremamente divertido. O que existe na obra original e que não conseguiu ser transposto para a tela é o tom brincalhão do narrador, a inserção de sutilezas graciosas a cada frase. O primeiro livro, especialmente, é de ler o tempo inteiro com um sorriso de canto na boca (isso quando não rindo alto). São vários os temas importantes que a obra abarca: a aquisição da linguagem, a alfabetização, os primeiros passos no mundo escolar... e tudo isso é tratado com leveza, mas de forma certeira. O segundo livro da coleção é quase tão bom quanto o primeiro. Seu maior mérito é o surgimento do personagem Tigrão, que talvez seja o mais carismático de toda a turma.  No entanto, é neste volume também que Bisonho deixa de ser um inocente azarado para se parecer demais com gente

Orgulho e preconceito (Jane Austen) + série de 1995 + filme de 2005

Faz tempo que Jane Austen estava na minha lista de autores a conhecer – mas, ao mesmo tempo, provavelmente o motivo de ter adiado tanto esse primeiro encontro seja a aura açucarada que parece acompanhar toda a sua escrita. Sem pesquisar um pouco do contexto, "Orgulho e preconceito" realmente dá a impressão de amorzinho fofo. Mas não é por ter escrito algo similar a uma coleção "Sabrina" do século XIX que a autora se fez reconhecida; há muito mais que a história de casamentos na estrutura da narrativa. Além da crítica à divisão da herança (que ficava restrita aos filhos homens de uma família), Austen mostra a mesquinhez de relações que são movidas unicamente pelo dinheiro. O pano de fundo das guerras napoleônicas, o surgimento da Revolução Industrial e uma maior maleabilidade entre as classes sociais (apenas as mais confortáveis em seu status, como novos ricos e aristocracia) também dão as caras no romance. A série de 1995: para quem gosta de uma adaptação fiel, é um

Paulo Freire para educadores (Vera Barreto)

Quando perguntado sobre a principal característica de um bom educador, Freire respondeu que era gostar da vida. E é por isso que este livro, voltado para as práticas pedagógicas, começa sendo uma biografia de Freire - afinal, é da vida que tudo se faz. As principais ideias de suas diferentes pedagogias aparecem na sequência. A alfabetização de adultos, seu trabalho mais renomado, ganha maior peso ao longo das páginas. O livro é, em suma, um sobrevoo panorâmico sobre os diversos terrenos em que Freire semeou esperança.

O pequeno órfão (filme de 2018)

Adaptação de um livro de 1878, o filme traz elementos muito particulares tanto do Romantismo como da era de ouro da literatura infantil.  Tal como em outras obras clássicas voltadas para o pequeno leitor, o protagonista da trama é um jovem órfão que precisa cuidar da própria vida no contexto da Revolução Industrial e da consolidação dos centros urbanos. E, como boa obra romântica, traz idealizações, maniqueísmos, muita sofrência e mortes por tuberculose. A linguagem cênica da produção cinematográfica é bem bonita, mas não vai muito além do que a narrativa original pretende contar.

O homem da máscara de ferro (filme de 1998)

 Tinha assistido a esse filme na época em que Leonardo DiCaprio era um jovem galã e maratonávamos qualquer obra que estrelasse. Ainda assim, tinha uma boa memória afetiva do longa, que resistiu ao passar dos anos. É uma ótima narrativa de capa e espada, com todos os elementos necessários para prender nossa atenção na tela: só atores bons, cenários de época recriados em ambientes reais, muitas reviravoltas, uma pitada de humor (e de amor romântico) aqui e ali. Assim como em O Conde de Montecristo (também livro do Dumas pai), o conjunto é coroado pela catarse de uma vingança que se come borbulhando.

Ixcanul (filme de 2015)

Filme guatemalteco que traz muito dos conflitos próprios do país (e de grande parte da América Latina, Brasil incluído): a admiração irracional pelos Estados Unidos, o sonho de atravessar fronteiras, a contraposição entre rural e urbano, rico e pobre, floresta e concreto. Ainda que o começo do longa pareça um pouco parado, vale a pena insistir em acompanhar a história da protagonista, uma adolescente prematuramente grávida. Não é preciso sequer lembrar de "Iracema", do José de Alencar, para perceber que uma nova vida em contexto de povos originários é sempre uma forte alegoria. Outra intertextualidade imprevista que ocorre ao longo da trama é uma quase recriação literal do diálogo de Fabiano com seu patrão em "Vidas secas". E não é à toa que a narrativa de Ixcanul desperta tantas referências - afinal, somos todos latinos.

Ninguém sabe que estou aqui (filme de 2020)

O mote do enredo é um menino gordinho que acaba vendendo sua voz e fazendo playbacks para um mocinho com a dita "aparência vendável". Mas, até chegarmos aí, são loooongos minutos de filme. E muitas cenas de drone, que pouco dialogam com o cerne da história, como se o diretor quisesse exibir seu brinquedo novo durante as filmagens. 

A pior pessoa do mundo (filme de 2021)

Com um conflito de gerações pulsando no centro da trama, o filme retrata as angústias de quem não sabe o que lhe faz feliz. Talvez fosse uma obra sobre autoconhecimento, mas a protagonista parece ocupada demais em mudar de paixão para refletir sobre quem realmente é. É um abismo geracional que dá nervoso - principalmente para quem valoriza estabilidade e certezas, por mais ilusórias que sejam. Contudo, como retrato dos (pós-)millenials, me pareceu bastante certeiro. Incômodo e incompreensível - como qualquer embate de gerações diferentes.

A flor do meu segredo (filme de 1995)

Bem almodovarístico, o filme tem segredos revelados, reviravoltas, estética kitsch e uma certa dose de brega chic (seja nos cenários, seja nos diálogos melodramáticos). Com uma protagonista escritora e revelando um pouco dos percalços do mundo editorial, é um bom filminho para quem gosta do tema. As discussões não chegam a ser aprofundadas (há tantas subtramas no filme que nada parece ser prioridade), mas algumas poucas cenas trazem interessantes reflexões sobre a linguagem.

Relatos selvagens (filme de 2014)

Depois de reassistir ao filme pela quarta ou quinta vez, percebi que ainda não havia escrito nada sobre ele. E talvez o motivo seja o tanto que gosto dessa obra - com sua violência escrachada -, a ponto de não encontrar argumentos para racionalizar o que é quase uma paixão. Não é de estranhar, afinal de contas - "Relatos selvagens" é a tentativa de zombar de nossos paradigmas burgueses e apresentar como única verdade aquilo que é instintivo, movido pelo desejo de vingança e de destruição. A narrativa é composta de seis histórias, que podem ser assistidas como curtas independentes. No entanto, vistas na sequência, ganham pelas ondulações do fio condutor de todas as tramas. Cada elemento, seja visual ou pelas falas certeiras, cria um pequeno universo ressignificado pela violência. E pelo riso. Na selvageria, a catarse chega pelo assombro e pela gargalhada.

​O parque das irmãs magníficas (Camila Sosa Villada)

Ao ser questionada sobre quanto o rótulo de "literatura trans" se aplica à sua escrita, Camila Villada rebateu: não há categorias para pensar o travestir-se. A única categoria é o travestismo - que, em si, é a negação de toda tentativa de classificar. E sim, aqui é "travesti" - ao preferir esse termo ao de "mulher trans", a autora demarca sua prosa dentro do território das muitas violências a que a palavra remete. Não é um livro fácil, tal como as vidas retratadas. Cada página traz uma situação de abuso diferente - desde o pai que profetizou o fim do filho afeminado como indigente em uma vala até a prostituição em situações de risco extremo. Dona de uma escrita poderosa, a autora consegue permear a narrativa de imagens tão fortes quanto são poéticas. Além disso, o tratamento desinibido das amigas travestis em sua comunidade também reveste a trama de pitadas com humor.  Que coisa linda. É de deixar sem palavras.

Coda (filme de 2021)

 ​Com uma tradução de título péssima, o ganhador do Oscar deste ano foi batizado originalmente como "Coda" (tanto sigla para "Children of Deaf Adults" como nome de seção conclusiva de uma música). E é sobre esses elementos que o filme trata: o abismo de comunicação entre uma filha ouvinte e seus pais surdos, ainda que seja uma fissura repleta de cuidado e amor... e a música como rito de passagem. Para quem gosta de tramas bonitas, em que tudo se resolve e todos terminam bem, é uma ótima indicação. Eu prefiro enredos mais dramáticos, mas sei que um filme retratando a surdez sem tons trágicos é necessário. E que bom que o Oscar de melhor ator e o de melhor filme souberam reconhecer a importância desse debate.

Três cantos para Benazir (curta de 2021)

 ​O grande ponto de interesse neste curta-metragem é ser um produto original afegão, com retrato de costumes, amores e cenários típicos. E o fato de contar uma história simples, mas que parece mostrar bem a arrasadora falta de opções (a subsistência ou a guerra) para quem nasceu em terra arrasada.

Um sonho de liberdade (filme de 1994)

Com nota 9,3 no imdb, "Um sonho de liberdade" é realmente um bom filme. Mas não me pareceu tão impecável assim - talvez, para os anos 1990, realmente o fosse. Hoje, como qualquer outra produção, passa pelo crivo de nosso olhar atual para preconceitos e representatividade. O enredo consegue trabalhar questões muito importantes, como as injustiças do sistema carcerário. Contudo, o mocinho da história é o ator branco. Morgan Freeman, ainda que roube a cena, interpreta um personagem malandro e mais ou menos redimido pelos muitos anos de prisão. Alguns elementos me remeteram a "Os miseráveis", de Victor Hugo: desde a prisão injusta até uma cena crucial nos esgotos da cidade. E, além disso, certo romantismo e idealização (para não falar em maniqueísmo) no desenvolvimento das personagens.

Gabriel e a montanha (filme de 2017)

Inspirado no caso real de um mochileiro morto no Malauí, o filme alterna elementos da ficção e do documentário para reconstruir os últimos dias da jornada de Gabriel. Um exemplo desse trânsito de gêneros é o fato de muitos atores serem, de fato, as pessoas que o brasileiro encontrou em seu caminho. A produção não se preocupa em construir uma memória sem falhas do biografado; no entanto, justamente por não fazer isso, passamos a maior parte do tempo com raiva da petulância de turista "por um ideal", que se recusa a adotar soluções mais simples e prudentes ao longo da jornada. É a velha história de que o barato sai caro.

Chef (filme de 2014)

A princípio, o filme dá a entender que tratará de várias discussões típicas de nossa época (falta de tempo para os filhos, trabalho por prazer e por obrigação etc.) usando a comida como pretexto. Contudo, conforme o desenrolar da obra, é a história dos personagens que parece servir de pretexto para muitos ASMRs de fritura e pão na chapa. E, uma vez que a trama dos protagonistas perde o propósito, entram soluções inverossímeis temperadas com piadas de mau gosto como finalização.

Contra o gelo (filme de 2022)

O que queremos ver em um filme de exploradores? Muitas cenas da mãe natureza acabando com toda nossa pretensão humana de dominar o ambiente. Nesse quesito, "Contra o gelo" é um prato cheio: aquele típico enredo em que uma desgraça se sucede à outra na vida dos desbravadores. A produção conta ainda com uma bela fotografia, que faz jus ao cenário deslumbrante. No entanto, é uma história dotada de certo tom épico para descrever o que é, em suma, um relato de colonizadores.

Passarinha (Regina Berlim)

Com uma narrativa bem simples, a beleza maior da obra está em falar do vazio – simbolizado desde a capa, com o ninho desabitado. Ao refletir sobre a perda e atrelá-la à liberdade do voo, o livro consegue criar uma ponte bonita, ainda que bastante simples, entre essas ideias aparentemente opostas.