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Mostrando postagens de novembro, 2019

O corvo e suas traduções (Ivo Barroso)

Desde o trocadilho tradutor traidor até o campo de análise que se pretenda o mais analítico possível, a tradução parece destinada a gerar debate - e a inflar as paixões dos ratos poliglotas de biblioteca. Um tanto cansativa - afinal, trata-se de uma coletânea considerável de traduções do mesmo poema -, ainda assim a obra de Ivo Barroso se propõe a ganhar o leitor para as releituras que considera mais adequadas de "O Corvo". O autor não dispensa argumentos para elogiar os tradutores que considera mais felizes na tarefa de apresentar Poe ao leitor brasileiro, e nem tem papas na língua para criticar passagens do poema que considere mal vertidas de uma língua a outra. Ainda que bastante tendencioso ao listar suas traduções preferidas, é um livro rico para entender o quão complexa e intimidadora pode ser a tradução de poesia.

Todos nós adorávamos caubóis (Carol Bensimon)

Romance curto, mas que foi uma leitura bastante arrastada para mim. Ainda que reconheça uma ou outra boa passagem, não consegui ser fisgada pelo estilo demasiado coloquial da autora. Ambas as protagonistas da trama são bastante insossas, vivendo na redoma dos  white people problems , e refletem essa falta de profundidade em diálogos simplórios. Assim como o roteiro da viagem que elas se propõem a fazer, o enredo da trama também se centra no desinteressante, nas picuinhas banais do dia a dia. Se tivesse lido a obra com meus vinte anos, talvez me engajaria mais com o sarcasmo infantil da personagem Cora.  Enfim, não funcionou para mim.

El informe de Brodeck (Philippe Claudel) + HQ de Manu Larcenet

Tendo a ver com desconfiança obras contemporâneas de arte baseadas na Segunda Guerra Mundial; afinal, a overdose  de filmes e romances criminalizando os nazistas não parece ter sido o suficiente para impedir o ressurgimento da extrema direita e nem para brecar os inflamados discursos autoritários que nos cercam e cerceiam. Contudo, não só me rendi a "El informe de Brodeck", como o registrei dentre minhas melhores leituras ao longo da vida. Philippe Claudel tem a maestria de lidar com um contexto saturado e, ainda assim, saber extrair dele o inusitado, o absurdo, o mágico. Um dos recursos empregados pelo escritor para não cair em clichês sobre a guerra foi situar sua narrativa em tempo e espaço indefinidos. Assim, com um quê de fábula (ou de mito fundador), a narrativa trabalha valores universais que extrapolam o contexto de uma época. Com um narrador "profissional", encarregado de relatar o que acontece em seu povoado, a história traz à tona também questõ

Primeiras estórias (Guimarães Rosa)

Não sei precisar em que releitura estou das Primeiras estórias de Guimarães Rosa; afinal, alguns dos contos que compõem essa coletânea já fazem parte do imaginário das letras brasileiras, como "Famigerado", "A terceira margem do rio" ou "Sorôco, sua mãe e sua filha". Tornei-me leitora de Rosa ainda na adolescência; ao retomar suas obras mais de uma década após esse contato inicial, tenho me surpreendido bastante ao redescobrir os seus narradores infantis. Certas sutilezas na construção do ponto de vista de uma criança me escaparam em uma primeira leitura; no entanto, hoje é um dos recursos em que consigo enxergar mais claramente a maestria do autor. No conto que abre a coletânea, por exemplo, acompanhamos o olhar de um menino a descobrir uma Brasília ainda em construção; assim, a descrição infantil é contraposta ao nascimento de uma cidade, também caminhando indecisa em seus primeiros passos. Outras estórias também retomam essa fase da vida, como "