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Mostrando postagens de junho, 2021

Logicomix (Apostolos Doxiadis e Christos Papadimitriou)

Um dos meus ex-alunos me disse uma vez que seu professor na faculdade de Filosofia havia proposto um questionamento: quantos deles, estudantes do curso, já tinham entrado em contato com termos como "silogismo" e "falácia" ao longo dos muitos anos que passaram produzindo redações dissertativas? O meu interlocutor me garantiu que havia sido o único a levantar a mão. Desde que comecei a ministrar aulas de produção de texto me interesso pelo tema da lógica, pelo encadeamento discursivo que leva à refutação ou à comprovação de uma ideia. Uma pena ter deixado esse quadrinho sensacional parado tanto tempo na minha estante; afinal, para um tema intrincado como a lógica, nos faltam recursos didáticos. E é nesse contexto, de quem quer explicar o tema sem ser superficial, que essa obra reluz como joia rara. A história da lógica é entremeada com a biografia de Bertrand Russell; por sua vez, a vida do filósofo aparece dentro de uma narrativa-moldura metalinguística, que discute

Passageiro acidental (filme de 2021)

De certa forma, este é mais um filme sobre o medo de perder-se no vazio e na escuridão; alguma teoria psicanalítica provavelmente deve dar conta de explicar por que tantas produções hollywoodianas se lançam ao espaço para, ao fim, querer mesmo voltar ao útero. Há variáveis interessantes na obra: uma pessoa que se descobre em meio a uma viagem espacial que durará anos, a necessidade de escolher a morte de um dos membros da tripulação, o conflito entre o heroísmo e a racionalidade, apenas quatro personagens em foco durante todo o longa (quase remetendo ao diálogo dramático de uma peça teatral). Entre as discussões subjacentes ao filme, está o fato de o personagem negro ser o intruso marcado para morrer – ainda que esse tema não aflore de maneira explícita em nenhum momento. O fato de a personagem mais franzina ser o modelo de heroísmo da narrativa também conta alguns pontos. Na somatória, é um filme clichê sobre o espaço, mas que escolhe um ou outro elemento diferente para criar a sua tr

Pé do ouvido (Alice Sant'Anna)

O livro de poemas de Alice Sant'Anna traz algo do fluxo de consciência de uma Mrs. Dalloway – a similitude não está em apenas acompanhar como o pensamento se forma, mas também na identificação com uma classe mais privilegiada. Para mim, que compartilho das mesmas angústias e recorte de mundo desse eu lírico, o vínculo é estabelecido de imediato. Algumas das questões que percorrem o longo corpo do poema também são frequentes no meu dia a dia – ou, pelo menos, o são da forma como foram elaboradas. Gosto também da ambiguidade pouco óbvia de algumas junções de termos: o pé do ouvido, ao pé do ouvido, pé e olvido, pede olvido. Assim como o título, é um livro que nos propõe a reverberação dos sons e das junções das palavras.