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Mostrando postagens de janeiro, 2022

O homem que matou D. Quixote (filme de 2018)

A figura do cavaleiro andante em cenários mais contemporâneos é uma temática que me agrada muito, especialmente no cinema. Entre exemplos que me marcaram, estão "O homem que era o super-homem", coreano, e "O sr. Kaplan", uruguaio. Em "O homem que matou D. Quixote", uma produção espanhola, também temos o elemento do estranhamento com personagens que falam em inglês quase o tempo todo. Uma das curiosidades dessa produção é o fato de ter levado quase 30 anos para ficar pronta. Talvez tanto tempo no forno seja o sucesso da obra, que é toda bem amarradinha, mesmo que essa coerência interna pareça difusa no ambiente quase carnavalesco em que se desenvolve a trama principal.  Há algo de surrealismo no longa (que me lembrou Jodorowsky), mas que se casa muito bem com o plot original do Quixote – afinal, mesmo escrito há tantos séculos, continua sendo uma das obras mais contemporâneas que temos.

Trilhas (filme de 2013)

Excelente filme sobre o desejo de viajar, Trilhas explora também a contradição fundamental do mochileiro: o desejo de conhecer o mundo sozinho e a descoberta de uma solidão horrível que sobrevém dessa empreitada. Acompanhar o percurso de uma mulher, que em nenhum momento é fragilizada ou exposta como vítima na narrativa, é outro dos pontos fortes da produção. Os questionamentos sobre o porquê da inusitada aventura – atravessar o deserto em camelos – existem, mas não aparecem vinculados a nenhum estereótipo de gênero.  O contato entre a experiência dos aborígenes e a impetuosidade arriscada da trilheira também é um aspecto bem desenvolvido na trama. Por fim, a fotografia delicada e muito bela contribui para tornar a experiência de assistir ao filme ainda mais proveitosa.

The shape os ideas (Grant Snider)

Qual é a forma de uma ideia? Partindo desse pressuposto, Grant Snider cria outra obra excelente baseada em reflexões metalinguísticas. O autor investiga o próprio processo criativo e o apresenta ao leitor, em um conjunto de quadrinhos muito potentes. Na busca por respostas, uma ou outra página tem um viés mais assertivo, que beira o discurso do autodesenvolvimento. Contudo, o autor consegue ir muito além de oferecer soluções às aflições de quem vive de fazer arte. Mesmo quando parece ter encontrado uma resposta, o que segue brilhando em sua obra é a oferta de um questionamento certeiro.

O discípulo (filme de 2020)

Quando pensamos em música clássica, geralmente nossas imagens mentais são associadas ao paradigma europeu: musicistas vestidos em terno, orquestras, uma arte valorizada pela elite. Em O discípulo , temos contato com outra ideia da música clássica: aquela que é ignorada, cada vez mais mesclada ao pop em busca de reconhecimento, com seus poucos artistas reconhecidos academicamente, mas sem nenhum apoio ou incentivo financeiro. São várias as reflexões sobre a importância da música e o fazer musical que permeiam o filme. Algumas delas são bastante incômodas, já que parece haver a defesa de uma pureza do estilo musical. Trata-se de uma reivindicação válida, dado o contexto apresentado, mas que ainda assim incomoda quem defende um viés musical mais democrático, aberto a todos os estilos. Apesar de uma ou outra cena esquisita, que pouco dialoga com o enredo, no geral o filme se sustenta muito bem e traz muito o que pensar sobre arte, os contratempos entre o antigo e o moderno e a eterna situa

Uma nova esperança (filme de 1977)

Primeiro filme da saga Star Wars , "Uma nova esperança" traz muitos dos elementos que promoveriam a continuidade da narrativa em outras produções: personagens carismáticos, um garoto na construção de sua jornada do herói, um anti-herói para contrabalançar as expectativas do triângulo amoroso a se formar. Alguns dos efeitos especiais, vistos hoje, continuam bastante verossímeis. O que parece mais toscamente elaborado são as fantasias de alguns atores – mais um problema de costura que de tecnologia, portanto. Ao estabelecer as bases da trama que será desenvolvida, o filme já aposta em lances avançados, como a destruição de um planeta inteiro apenas com um apertar de tecla. Considerando o contexto da Guerra Fria, impossível não pensar que, além de tudo, a obra oferece leituras da política da época.

Jerry Maguire (filme de 1996)

Jerry Maguire é um filme que não nega sua nacionalidade, tampouco o pensamento estadunidense dos anos 1990. Ainda que a produção tinja os estereótipos com tintas mais suaves (o entusiasmo de um jovem empresário pela qualidade das relações, uma mãe solo retratada sem críticas), o pendor para dominar e oprimir o restante do mundo está lá. Há uma moral muito clara a conduzir a narrativa, o que torna os personagens menos complexos e bastante previsíveis. De todos os elementos que compõem a produção, do que mais gostei foi do ritmo acelerado – no entanto, ele só domina a primeira parte da trama. Depois, tanto forma como conteúdo pouco apresentam de inovador para narrar a história de seu protagonista.

Lost in translation (filme de 2003)

Costumo associar os filmes de Sofia Coppola a personagens quebradas vestidas de rosa. A diretora subverte a ideia de uma feminilidade ideal e sensualizada ao compor figuras bastante complexas dentro desse estereótipo. Lost in translation  abre com um close na calcinha de Scarlett Johansson, e só aos poucos vamos conhecendo as motivações e dúvidas que angustiam a protagonista. O personagem interpretado por Bill Murray se oferece de maneira mais imediata (e desiludida) ao espectador, ainda que seja também um personagem bastante complexo. Costumo gostar de filmes que retratam encontros fortuitos e significativos; ainda que este caso não seja uma exceção, tenho algumas ressalvas à obra. A mais forte delas é o preconceito presente em algumas cenas e um olhar pouco delicado perante a cultura alheia. 

O monstro do monstro de Frankenstein (filme de 2019)

Documentário interessantíssimo, a obra estrelando David Harbour é uma busca do ator por suas origens. E, tal como em Frankenstein, essa empreitada significa confrontar-se com um parto malsucedido e o eterno duplo entre criador e criatura. O primeiro ponto que surpreende o espectador é a semelhança física entre o ator e seus antecedentes. Vindo de uma longa linhagem de artistas, o narrador do documentário parece ser, talvez, apenas uma marionete de um destino já traçado. Já as cenas da montagem de Frankenstein realizadas pelo pai de David são um espetáculo à parte (literalmente). Usando como pretexto a obra de Mary Shelley, é uma produção que tematiza o que significa atuar e como a vida do ator está entrelaçada à de sua personagem.

Nas estradas do Nepal (filme de 2015)

Há muito de cultura nepalesa neste filme, mas algo não se encaixa bem na costura de diversas cenas. É como se a narrativa fosse um pretexto para exibir tomadas distintas de rituais, danças, orações, em uma espécie de documentário no qual nada é explicado. Uma certa inverossimilhança também modela as ações das personagens – o que, somado a atuações fraquinhas, pouco contribui para que embarquemos na história. 

O público (filme de 2018)

À primeira vista, o tema deste filme pode parecer mais social do que necessariamente relacionado com o mundo dos livros e da escrita; no entanto, a obra é uma pérola de nicho. Para aqueles que buscam produções que tematizem o eterno amor sobre os livros, o longa é uma pedida excelente. Leve e, contudo, crítico, é uma empreitada surpreendente. Um dos pontos de que mais gostei na narrativa é o fato de tematizar um assunto pouquíssimo conhecido – como as bibliotecas públicas são, muitas vezes, uma possibilidade de acesso a itens básicos para pessoas em situação de rua. Seja a possibilidade de escovar os dentes, tomar água, seja a de acessar a internet ou exercitar a leitura. As reflexões sobre o que significa viver de livros permeiam a obra e são uma delícia para quem compartilha do mesmo tipo de existência. E o final imprevisto (entre doce e trágico) só coroa uma produção que tem todos os elementos que fazem uma narrativa inesquecível para mim.

Magnólia (filme de 1999)

Terceira vez a que assisto ao filme, Magnólia continua sendo uma boa incógnita para mim. Ainda que saia com a sensação de dúvida a cada exibição – afinal, é um filme de que gosto ou não? –, o veredito acaba sendo positivo ao final. Se uma obra é capaz de incomodar, geralmente é porque tem elementos que também a fazem perdurar. Nesse novo contato com o filme, o incômodo com o personagem do coach machista foi maior, mas ainda acredito que haja um porquê que fundamente a construção dessa figura no contexto caótico da narrativa. Não se trata de uma apologia, mas de uma crítica, mesmo que os limites entre esses dois pontos sejam bastante esfumados e dependam da interpretação do espectador. O personagem do enfermeiro ganhou um novo encanto para mim dessa vez, como se fosse a alegoria do que nós, enquanto espectadores, sentimos ao ver o filme. Ele encarna o interesse profundo pela história dos outros, que tanto nos faz falta. Já a figura do policial continua sendo minha preferida, ainda que

Sementes podres (filme de 2018)

Os minutos iniciais de Sementes podres pouco dialogam com o restante do filme, por mais que o começo se trate de uma explicação plausível para o restante do enredo. O que não encontra reflexos no decorrer da obra, contudo, é o tom político e sério que domina a apresentação da trama. Mais do que uma costura mal amarrada, parece uma promessa de temas que o longa não consegue alcançar. Além do início propriamente dito, algumas tiradas da primeira parte do longa me pareceram forçadas ou de mau gosto. Conforme a narrativa caminha, o filme parece encontrar o tom certo, sem ser presunçoso ou desencanado demais. O mote da narrativa é o do professor herói diante de uma turma difícil – ideia que já foi trabalhada à exaustão no cinema. Ao abordar problemas e caracteres contemporâneos, todavia, o longa consegue trazer uma nova roupagem a um tema já tão debatido.

Rushmore (filme de 1998)

O grande acerto de Rushmore – além de trazer a narrativa acelerada e instigante que caracteriza a obra de Wes Anderson – é mostrar as falhas de um sistema educacional quadrado. No filme, o protagonista é o típico arquétipo de um polímata, interessado por tudo que acontece ao seu redor. E, por isso mesmo, considerado um péssimo aluno pelo sistema. Alguns elementos da obra não dialogam bem com o espectador de hoje, como a sensualização da professora e a paixão de um adolescente por um adulto. Contudo, no geral é uma obra que continua funcionando bem hoje, principalmente levando em conta que as críticas ao paradigma educacional seguem bastante atuais.

Pedro Curie (Marie Curie)

Já havia entrado em contato com a escrita de Marie Curie pelo livro La ridícula idea de nunca más volver a verte , da espanhola Rosa Montero. Além dele, a biografia sobre o casal Curie elaborada por Lauren Redniss também traz alguns excertos de cartas e dos diários da cientista – contudo, nada se equipara a poder ler um livro inteiramente escrito por ela e cujo tema é a breve vida de seu esposo. Claro está que esta é uma biografia bastante parcial, que não se propõe a revelar um lado menos louvável da vida de seu biografado. O retrato que Marie faz de Pierre não economiza elogios; ainda assim, está longe de ser um texto enfadonho ou menos crível. A autora fundamenta seu parecer favorável não apenas na experiência de esposa, mas sobretudo em fatos e depoimentos de quem conviveu com o cientista. Outro ponto de que gosto muito nessa biografia é quanto Marie se revela ao falar de Pierre – de certa forma, acaba sendo um texto que abarca a vida de ambos. E se não há críticas à figura do mari

Canções de atormentar (Angélica Freitas)

As Canções de atormentar me deixaram na expectativa de um livro questionador e forte – o que realmente o é –, mas o sentimento que me dominou durante a leitura foi o de uma paradoxal diversão. Do que mais gostei no novo livro de Angélica Freitas foi da ironia, do discurso em tom de deboche que aparece em alguns poemas. Textos com uma verve mais política também despertaram minha atenção, ainda que de forma bem mais sutil do que a de Um útero é do tamanho de um punho . Gosto do conjunto e da identificação que encontro na voz da poeta, mas não é uma obra que tenha me impactado especialmente. Talvez esperasse sair mais atormentada de uma leitura que, ao final, me resultou leve, uma vez que partilho de muitos dos posicionamentos da poeta.

Radioactive (Lauren Redniss) + filme de 2019

Talvez Radioactive seja a minha biografia favorita – o que não é de se estranhar, uma vez que Marie Curie é uma das personalidades que considero mais instigantes e inspiradoras. Contudo, a grandiosidade da obra não se atrela unicamente à relevância das vidas biografadas, mas principalmente ao jeito único que Lauren Redniss tem de contar uma história. As próprias ilustrações da autora causam um certo estranhamento inicial: não se trata aqui, portanto, de fazer uma obra esteticamente bela sobre a vida dos Curie. A ambiguidade da descoberta do rádio e do polônio – ora salvadores, ora arrasadores – perpassa cada página da obra, que não se oferece de maneira simples ao seu leitor. É uma beleza que precisa de esforço para ser vista. Além disso, o que me encanta na narrativa construída em torno da vida de ambos os personagens (porque esta é também uma biografia de Pierre, por mais que nosso interesse orbite principalmente em torno de Marie) é a costura de diferentes elementos para erguer uma

Carne trêmula (filme de 1997)

Colorido, sensual, kitsch e cheio de reviravoltas: Carne trêmula  é um filme que carrega as marcas do que considero uma estética almodovariana. Entretanto, apesar de captar a atenção do espectador, não é uma obra que vá muito além de oferecer uma trama entre divertida e interessante, por mais que seus minutos iniciais deem a entender que haverá um viés político inerente à produção. Talvez o filme, ao apresentar uma moldura inserida no contexto político da época, prometa além do que consegue cumprir. Outro problema que nos distancia hoje do longa é o fato de um de seus personagens principais ficar paralítico – o que, dependendo do olhar que elegemos, pode conferir um certo discurso capacitista à trama. Não se trata de uma produção que resistiu sem falhas ao passar do tempo, mas talvez nenhuma das obras de Almodóvar o tenha conseguido. Contudo, para quem gosta de acompanhar a produção do diretor, continua sendo um filme que traz entretenimento.

Professor polvo (filme de 2020)

Aprender a olhar para o outro é uma das lições que tiramos quando nos damos o tempo de contemplação da natureza. Seguir o ritmo de vida de um animal em seu ambiente característico é uma aventura repleta de descobertas, mesmo que pareça uma atividade desprovida de propósito e de um fim utilitário no meio em que vivemos. Muito do que vi no esforço do protagonista do documentário em acompanhar a curta vida de um polvo no mar reflete os ensinamentos de um de meus livros preferidos: The peregrine , de J. A. Baker. Aos poucos, o limite entre quem observa e quem é observado se dilui, levando inclusive o espectador da obra a repensar seu lugar dentro desse pequeno ecossistema. Pensar como um polvo, retraçar a linha de raciocínio do animal e ainda se surpreender com suas artimanhas de caçador são algumas das boas descobertas que o filme proporciona. Além, é claro, da fundamental ideia de que somos parte da natureza, e não uma visita.

A crônica francesa (filme de 2021)

Wes Anderson tem um estilo bastante único em suas produções, que gera identificação imediata no espectador. Em A crônica francesa , não só o reconhecimento da estética do diretor é imediato, como parece atingir o ápice em termos plásticos. Mesmo que as narrativas da obra não nos envolvam – o que é possível, dada a estrutura fragmentada do longa –, é difícil não se deixar encantar pela beleza de cada cena, disposta como um quadro para apreciação. Assim como quem passeia em um museu, deslizamos pelas situações enfocadas no decorrer das narrativas. Sob esse ponto de vista, a obra consegue mimetizar bem o objeto em que se baseia: uma publicação periódica, dividida em várias seções. A diferença em relação ao jornal e ao museu é que, enquanto obra de cinema, não podemos decidir a que assistir ou não durante a exibição. Por isso, talvez A crônica  seja um filme que funcione melhor visto de forma fragmentada; pelo menos, assim o foi para mim. Ainda que muito tenha desfrutado da primeira exibiç

Durante a tormenta (filme de 2018)

O aspecto sombrio e aterrador de Durante a tormenta  não se prolonga muito além do título e dos minutos iniciais do longa – o que talvez seja o ideal para uma produção que trata de viagem no tempo. Insistir demais na própria seriedade levaria a perguntas sem fim sobre o eterno paradoxo que caracteriza o tema: afinal, haveria forma possível de voltar ao passado sem alterar o futuro? Ao deslocar-se das sombras para ir, aos poucos, construindo uma história mais próxima dos thrillers e das empolgantes narrativas de detetive, o filme encontra seu tom certo. O objetivo é conquistar o espectador e levá-lo a imaginar as outras possibilidades de desenvolvimento da história nas idas e vindas temporais, sem caracterizá-las com nenhuma frágil explicação científica. O foco é o entretenimento e o jogo com as possibilidades que o tempo oferta.

O alienista (Machado de Assis)

Ler O alienista  logo após ter assistido a Não olhe para cima  me fez pensar que Machado também se propôs, nesta novela, a realizar um retrato de seu tempo, capturar o zeitgeist  da época com todas as suas contradições. Apesar do intervalo histórico e da temática que as distanciam, as duas obras são resultado do embate entre ciência e crença, racionalidade e subjetividade na interpretação de teorias. Simão Bacamarte, protagonista do livro, é ora um espelho do médico altruísta e preocupado apenas em contribuir para o desenvolvimento da humanidade, ora a caricatura do cientista maluco. E, ao redor dele, a sociedade burguesa também oscila entre a concordância absoluta com as teorias propostas e a rebelião sangrenta contra elas. Tendo a ciência como seu principal tema, a obra subverte as expectativas do leitor ao não apresentar limites claros entre a genialidade e a alucinação de seu protagonista – tal como as barreiras entre loucura e sanidade são a todo momento revistas ao longo da obra.

A filha perdida (Elena Ferrante) + filme de 2021

Uma boneca perdida, uma criança desaparecida, os duplos entre amigas e entre mães e filhas, Leda e Nina: os elementos da mitologia de Ferrante não escapam ao livro A filha perdida . Ademais, considerando que se trata de um romance mais sucinto (menos de 200 páginas), talvez nele essas figuras características da escrita da autora brilhem com ainda mais força, forçando toda a narrativa a girar ao redor dessa constelação de alegorias. Ainda acredito preferir o livro ao filme, apesar de a adaptação realizada em 2021 ser ótima e caminhar independentemente da obra em que se baseia. Contudo, há alguns elementos que aparecem com mais força com o punho da própria autora, como as reflexões da protagonista sobre seu passado e as relações de poder intrínsecas a uma família. No filme, não há uma voz de narradora que mimetize a do livro – o que é um acerto, já que lhe confere assim mais autonomia. O que vemos retratado com os dizeres afiados de Ferrante no romance é o que capturamos pelo belo amálga

Leonardo pop ups (Courtney Watson MacCarthy)

Comecei a ler a biografia de Walter Isaacson sobre Da Vinci recentemente, o que me permitiu comparar seus dados acurados aos apresentados na obra de Courtney Watson. Para minha alegria, além de apresentar lindamente as obras do mestre italiano de forma tridimensional, o livro também se baseia em uma boa pesquisa histórica e se desvia de clichês preguiçosos sobre a vida do artista (como a ideia de que escrever de trás para frente fosse uma marca do gênio, e não apenas uma prática habitual dos canhotos da época, para não manchar o papel com tinta).

The Matrix Resurrections (2021)

Da trilogia Matrix, só tinha visto o primeiro filme, do qual gostei com ressalvas. Dessa nova produção, provavelmente gostei apenas do primeiro terço (e também com críticas). O começo do longa é o que mais traz elementos de atenção: a intertextualidade com Alice no país das maravilhas (a qual já havia sido trabalhada na obra de estreia da série), a intratextualidade com a própria narrativa (afinal, por que fazer um reboot com personagens que já haviam sido dados como mortos?) e uma visão crítica da trama de  Matrix . Outro ponto em que o filme aposta bem é o de eleger protagonistas mais velhos, capturando não só a atenção do público que viu a estreia do primeiro longa no cinema, mas também uma faixa etária que tem sido cada vez mais vista como uma possibilidade para o romance do que como a figura dos avós resignados à aposentadoria. Já as segunda e terceira partes do filme não me convenceram: muitas cenas infinitas de luta, efeito especial atrás de efeito especial, e uma hipérbole de p

14 montanhas, 8 mil metros e 7 meses

Muito do que conhecemos sobre o Nepal e o Himalaia vem filtrado pelo olhar do estrangeiro; ao pensarmos nos alpinistas que realizaram o feito de atingir seu cume, geralmente os associamos a figuras europeias ou estadunidenses, que são vistas como exemplos de superação e mérito. Em "14 montanhas", a retórica sobre o Himalaia é subvertida, o que nos obriga a olhar para a história de escaladas de maneira muito mais crítica. No filme, quem se propõe a subir não só o Everest, mas também outras 13 montanhas complicadíssimas (e em apenas 7 meses), é um alpinista nepalês. Ou seja, o que modifica o nosso olhar é o tão discutido lugar de fala – e como faz diferença. Talvez o que me incomode um pouco na figura do alpinista principal (afinal, ele também tem os seus sherpas) é seu caráter de quem é formado em academias militares. Ainda que o filme passe muito longe de um discurso belicista, algo dessa visão muito racional dos desafios me incomoda. O filme não ressalta esse lado de seu pro

Não olhe para cima (filme de 2021)

Ao definir o zeitgeist de nosso tempo, Não olhe para cima oscila entre o trágico e o pastelão. E talvez essa linha limítrofe entre opostos seja mesmo o que nos define: a sensação que mais me marcou durante a exibição do longa foi uma espécie de vergonha alheia em que me reconheço. Estamos todos na mesma lama, ainda que não venha (por enquanto) nenhum astro colidir com nosso planeta. Os reflexos são tão acurados que parecem ter sido feitos à medida da política brasileira; fora o glamour de Maryl Streep, tudo na presidente ficcional remete a Bolsonaro, inclusive o filho maléfico que intitula como assistente de poder. Gosto de filmes em que o fim do mundo vai além da tentativa de salvá-lo. Outro exemplo que me vem muito forte à lembrança é o Melancolia , de Lars Von Trier, que gera um momento profundo de silêncio após seu final. Mesmo que vá pela linha da comédia, Não olhe para cima  também carrega sua melancolia. Afinal, ainda que estejamos fazendo graça, é de nosso fim como espécie que

Triste fim de Policarpo Quaresma (Edgar Vasques e Flávio Braga)

A versão em quadrinhos de Triste fim consegue não só fazer um belo recorte das cenas mais significativas da história, como acrescenta falas e observações oportunas em pontos-chave da trama.  Mesmo curtinha, a adaptação trabalha lindamente com a limitação de espaço para recriar a narrativa de Lima – ao contrário de muitas versões de romances em quadrinhos, que tentam socar muito conteúdo em pouquíssimo espaço.

Triste fim de Policarpo Quaresma (Lima Barreto)

Estou com a releitura de Dom Quixote parada há algum tempo aqui em casa; no entanto, enquanto não retomo minhas andanças com o cavaleiro da Mancha, não me canso de surpreender com a quantidade de histórias quixotescas com que me deparo no meio do caminho. Em 2021, já havia reparado nessa similitude temática em 1984  e em Frankenstein ; contudo, talvez em Policarpo  é que a ideia de um leitor tornado louco pelos livros seja ainda mais forte. Já havia entrado em contato com nosso Quixote nacionalista na adolescência; retomando a leitura agora, senti ainda alguns lapsos grandes de compreensão. O livro foca um período da história do Brasil que nunca me interessou particularmente (o começo da república). A edição que li, da Antofágica, apresenta notas de rodapé um tanto excessivas para termos bastante simples, mas só nos dá o contexto histórico em um amontoado de informações sem remissão clara ao final da publicação. Apesar do personagem que o intitula, Triste fim  é uma obra com muitos car