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14 montanhas, 8 mil metros e 7 meses

Muito do que conhecemos sobre o Nepal e o Himalaia vem filtrado pelo olhar do estrangeiro; ao pensarmos nos alpinistas que realizaram o feito de atingir seu cume, geralmente os associamos a figuras europeias ou estadunidenses, que são vistas como exemplos de superação e mérito.

Em "14 montanhas", a retórica sobre o Himalaia é subvertida, o que nos obriga a olhar para a história de escaladas de maneira muito mais crítica. No filme, quem se propõe a subir não só o Everest, mas também outras 13 montanhas complicadíssimas (e em apenas 7 meses), é um alpinista nepalês. Ou seja, o que modifica o nosso olhar é o tão discutido lugar de fala – e como faz diferença.

Talvez o que me incomode um pouco na figura do alpinista principal (afinal, ele também tem os seus sherpas) é seu caráter de quem é formado em academias militares. Ainda que o filme passe muito longe de um discurso belicista, algo dessa visão muito racional dos desafios me incomoda. O filme não ressalta esse lado de seu protagonista, pelo contrário: toda a obra é realizada como uma homenagem à mãe do alpinista. No entanto, algo dessa linha racional de pensamento não me convence, ainda que não consiga explicar bem o porquê.



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