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Fragmentado (filme de 2016)

Filmes de terror costumam trabalhar, como mote, as pequenas e grandes perversões humanas - o hábito de mentir, o desejo de matar, a vontade de fazer o outro sofrer... No entanto, assim como cabe ao gênero, raramente discute esses aspectos psicológicos com maior profundidade. Quem se propõe a ver esse tipo de obra sabe que deve esperar mais sustos do que uma explicação jungo-freudiana para as taras do assassino.




É só levando esse pressuposto em consideração - o de que a psicologia será tratada superficialmente - que Fragmentado consegue ser aproveitado inteiramente em sua ideia original. O filme retrata um distúrbio de personalidade raro, com consequências ainda mais difíceis de ocorrer (tangenciando o inverossímil); entretanto, é preciso lembrar que este é apenas o plot da história, com o objetivo de oferecer nada mais do que uns bons sustos ao espectador.

Um ponto talvez positivo seja o de o longa tratar, ainda que bastante superficialmente, a questão do estupro e do cárcere privado. No final, há uma espécie de mensagem girl power que surge, ainda que a atriz principal seja muito pouco convincente. 

Com um mote diferente - mesmo que superficial -, boas atuações - no geral -, trilha sonora e fotografia interessantes, o filme atende à proposta do gênero: contar uma boa história de gelar os ossos.



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