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Severina (Rodrigo Rey Rosa)

Após assistir ao filme "Severina", fui imediatamente atrás do livro que o inspirou. E, para a minha surpresa, o longa uruguaio toma como base uma trama guatelmateca. Há leves insinuações de que a história ocorre em um tempo conturbado, de muitos conflitos políticos - e é nesse contexto que personagens mergulhados nos livros ganham ainda mais força. Afinal, a literatura também não é fuga? 

Voltando à nacionalidade da obra: ao assistir ao filme não consegui criar relações possíveis entre o contexto atual de um país latino com a história; assim, o fato de ambientar-se, em princípio, em um país centro-americano fez que algumas referências da obra ficassem muito mais claras para mim. 

A produção audiovisual é bastante fiel ao texto original, que é curto (talvez classificável como novela). Ainda que excelentes complementos, a trama de Rodrigo Rey Rosa traz mais elementos de encanto. O simples fato de ser um livro que fala sobre livros já potencializa a metalinguagem ao máximo. Ademais, há uma série de citações e referências à cultura livresca que despertam bastante a curiosidade de quem, como os protagonistas, vive em função de sua bibliofilia.

O final do livro também difere daquele exibido nas telas - e, no papel, me agradou mais. Pequeno livro, mas grande leitura, como já se vê pela excelente adaptação .







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