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AmarElo (filme de 2020)

Gosto de Emicida há um bom tempo, mas sempre fico reticente em citá-lo quando converso com alguém que curte rap. A opinião geral com que me deparo, invariavelmente, é de que o cantor foi abandonando suas raízes conforme foi ganhando fama. De certa forma, considero a crítica justa — afinal, se continuasse defendendo suas origens como quem nunca saiu da periferia, Emicida estaria negando seu lugar de fala atual. No entanto, de onde está agora, é inegável que sua voz tem maior alcance.

Um dos recursos que ele utiliza justamente para potencializar suas canções é o diálogo com diversas outras vertentes da música brasileira. Confesso que eu mesma não gostei muito do seu álbum AmarElo, que tem uma melodia mais pausada e calma, que não me toca tanto. Ainda assim, ser o fio que conecta diversos outros artistas e discursos é um papel que tem sido bem desempenhado pelo cantor.

No filme, além de cenas do show no Theatro Municipal, há um rico panorama de fundo. Nele, muitas figuras negras essenciais para a nossa cultura atual são trazidas à tona. De certa forma, se trata quase de um documentário didático, que apresenta (a quem porventura não conheça) quem veio antes, reivindicando a luta negra de diversas formas. 



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