Pular para o conteúdo principal

Hamlet (Shakespeare)

Por mais que, às vezes, sua figura pareça supervalorizada, é só começar a leitura de uma grande peça para me convencer: não é à toa. As palavras do bardo não só ressoam pelos séculos, como se gravam em nossa mente. Talvez o segredo seja essa mistura de literatura com filosofia: o pretexto de uma história de reis para chegar a grandes máximas de sabedoria; uma narrativa dinamarquesa com preceitos universais.

Hamlet é a famosa peça do "ser ou não ser", "há algo de podre no reino da Dinamarca", "há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia" e outras tantas. Melhor que falar de Shakespeare, portanto, é deixar que ele fale por mim:


Diálogo entre Polônio e Laertes:
Ainda por aqui, Laertes! Vai, vai! O vento está a favor e o barco espera por ti. Vai, e com minhas bênçãos. 
E grave estes conselhos em tua memória: não fala tudo que pensa e não aja sem pensar.
Sê lhano no trato, mas evita ser vulgar.
Os amigos que tiver, e testada sua lealdade, prende-os à tua alma com aros de aço, mas não gaste teu tempo ou teu apreço com todo camarada que fizer.
Foge de entrar em briga; mas, entrando, faz o competidor temer-te sempre.
A todos, dê teu ouvido; tua palavra, a poucos. 
Ouve as opiniões de todos, mas sê reservado com a tua. 
Compra tuas vestimentas conforme tua bolsa: sem ostentação, de qualidade, mas discretas, que o traje revela o homem. 
Nisso, principalmente, são atentas as pessoas de classe em França. 
Não sê credor nem devedor; que ao emprestar perdes o dinheiro e o amigo, e ainda por cima pões em risco a tua parcimônia. 
Acima de tudo, sê fiel a ti mesmo; pois, como o dia segue a noite, agindo assim, não serás falso com ninguém. 
Adeus; e que minhas bênçãos infundam em ti esses conselhos.


Monólogo Hamlet:
Ser ou não ser, eis a questão.
O que é mais nobre? Sofrer na alma
As flechas da fortuna ultrajante
Ou pegar em armas contra um mar de dores
Pondo-lhes um fim? Morrer, dormir
Nada mais; e por via do sono pôr ponto final
Aos males do coração e aos mil acidentes naturais
De que a carne é herdeira, num desenlace
Devotadamente desejado. Morrer! Dormir; dormir
Dormir, sonhar talvez: mas aqui está o ponto de interrogação;
Porque no sono da morte, que sonhos podem assaltar-nos
Uma vez fora da confusão da vida?
É isso que nos obriga a reflectir: é esse respeito
Que nos faz suportar por tanto tempo uma vida de agruras.
Pois quem suportaria as chicotadas e o escárnio do tempo
As injustiças do opressor, as afrontas dos orgulhosos,
A tortura do amor desprezado, as demoras da lei,
A insolência do oficial e os pontapés
Que o paciente mérito recebe do incompetente
Quando o próprio poderia gozar da quietude 
Dada pela ponta de um punhal? Quem tais fardos suportaria
Preferindo gemer e suar sob o peso de uma vida fatigante
A não pelo medo de algo depois da morte
Esse país desconhecido de cujos campos
Nenhum viajante retornou, e que nos baralha a vontade
E nos faz suportar os males que temos
Em vez de voar para o que não conhecemos?
Assim a consciência nos faz a todos cobardes
E assim as cores nascentes da resolução
Empalidecem perante o frouxo clarão do pensamento
E os planos de grande alcance e actualidade
Por via desta perspectiva mudam de sentido
E saem do reino da acção.

Monólogo rei:
El propósito no es más que el esclavo de la memoria: muy brusco en su nacimiento, pero de escasa validez. Ahora está adherido al árbol, como acerbo fruto; más cae por sí solo no bien se halla en sazón. Es absolutamente inevitable que olvidemos pagarnos lo que nos debemos a nosotros mismos . Lo que nos proponemos en el calor de la pasión, lo abandonamos. La violencia misma del dolor o del placer destruye juntamente con ellos sus propias acciones. Donde más se huelga el gozo, más se lamenta el dolor; la alegría se aflige y la aflicción se alegra al más ligero accidente.No siempre es perdurable nuestro mundo, y así, no es extraño que hasta nuestro amor cambie con nuestra fortuna, que es cuestión aún por resolver si el amor gobierna a la fortuna o la fortuna al amor. Cae el potentado, y veis a sus favoritos huir de él; encúmbrase el miserable, y de sus enemigos hace amigos. Y hasta tal punto es el amor esclavo de la fortuna, que a aquel que no lo necesita, jamás le faltará un amigo, y aquel que en la penuria prueba a un aparente amigo, conviértele al momento en su enemigo. Mas, para terminar debidamente lo que había empezado, nuestras voluntades y nuestros destinos corren por tan opuestas sendas, que siempre quedan derrumbados nuestros planes. Somos dueños de nuestros pensamientos; su ejecución, sin embargo, nos es ajena. Así, imaginas que nunca has de tomar segundo esposo; pero morirá tu pensamiento en cuanto muera tu señor.

* Palabras sin pensamiento no van al cielo.

Hamlet
El gusano es el único emperador de la dieta; nosotros cebamos a todos los demás animales para engordarnos, y nos engordamos a nosotros mismos para cebar a los gusanos. El rey gordo y el escuálido mendigo no son más que servicios distintos, dos platos, pero de una misma mesa; he aquí el fin de todo.

***

¿Qué es el hombre, si el principal bien y el interés de su vida consistiera tan sólo en dormir y comer?”. Y el mismo Príncipe de Dinamarca se contesta a continuación: “Una bestia, nada más”. Escueta respuesta, que le sabe a poco a Hamlet, porque se ve llamado a empresas mucho más ambiciosas: “Seguramente, Aquel que nos ha creado con una inteligencia tan vasta que abarca lo pasado y el porvenir no nos dio tal facultad y la divina razón para que se enmoheciera en nosotros por falta de uso”.

Reina
Tan llena de torpe desconfianza está la culpa, que a sí misma se pierde por miedo de perderse.

Rei
 Lo que quisieramos hacer, deberíamos hacerlo en el acto de quererlo, por que ese querer cambia, y sufre tantas menguas y aplazamientos cuanto son los labios, las manos y las circunstancias por que atraviesa, y entonces ese deber se vuelve una especie de suspiro disipador, que hace daño al exhalarlo.



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

1984 (George Orwell)

Vulgarizado após a criação dos reality shows , o livro de George Orwell se tornou um daqueles clássicos que todos comentam e que ninguém leu. Qualquer um quer falar com propriedade do Grande Irmão, da sociedade vigiada, mas todos esses clichês não chegam perto do clima opressor que o autor impõe à sua narrativa. 1984 é uma obra provocativa e premonitória. Ainda que as ditaduras não tenham obtido o poder previsto pelo escritor (pois se travestiram de democracia), os cenários descritos são um retrato mordaz dos nossos tempos modernos. Um exemplo: para entreter a grande massa (os "proles"), o governo do Grande Irmão tem em seu poder máquinas que criam letras de músicas de amor aleatoriamente. Essas canções, desprovidas de essência humana, são entoadas pelo povo e logo se tornam o ritmo do momento. E assim se revela mais um dos inúmeros meios de controlar uma população que não pensa, não critica e não questiona. Quando foi escrito, 1984 era uma obra futurística. Lido h

Cenas de Abril (Ana Cristina Cesar)

O livro de estreia de Ana Cristina Cesar é inovador desde a capa, em que aparece a figura ambígua de um útero. Fragmentada e polissêmica é também a poética, em que pululam versos telegráficos, por vezes de compreensão dificílima para o leitor. Não se trata de uma tentativa de hermetismo, pelo contrário; o que causa estranhamento nos poemas é sua simplicidade cortante, com associações inusitadas e bastante diretas. Além disso, os assuntos não se mantêm ao longo dos textos; Ana Cristina salta com naturalidade entre temas complexos e diversos. Apesar de curto, é uma livro de estreia potente, com muitas possibilidades de interpretação - antecipando a grande e breve obra deixada pela autora.

As três Marias (Rachel de Queiroz)

Protagonistas femininas para um romance escrito por uma mulher - uma mudança de perspectiva tão necessária em meio a esses nossos cânones machistas. Rachel de Queiroz é escritora de mão cheia, e não se deixa vender ao estereótipo de moça que escreve para relatar seus conflitos pessoais. Sua obra é social, intensa, mas sem diminuir o interesse psicológico de seus personagens. Trechos: "A gente pensa que a infância ignora os dramas da vida. E esquece que esses dramas não escolhem oportunidade nem observam discrição, exibem-se, nus e pavorosos, aos olhos dos adultos e aos dos infantes, indiferentemente." "-Conheça o teu lugar, minha filha.. (Isto é: 'Pense em quem é você, na mãe que lhe teve, mulher sem dono e sem lei, que lhe largou à toa, criada por caridade. A vida se mostra, à sua frente, bela, sedutora, iluminada. Mas, para você, é apenas uma vitrina: não estenda a mão, que bate no vidro; e não despedace o vidro; você sairá sangrando... Contente-se