Pular para o conteúdo principal

Pinóquio (Winshluss)

Ao terminar a leitura das versões originais dos contos de fadas coletados pelos Irmãos Grimm (http://cineeleituras.blogspot.com.br/2015/08/contos-maravilhosos-infantis-e.html), acreditei ter chegado ao limite da crueldade nas histórias infantis. Contudo, nessa versão ilustrada e levemente baseada em Pinóquio, de Carlo Collodi, é possível desconstruir definitivamente qualquer ideia romântica relacionada aos personagens de nossa infância.




Trata-se de uma adaptação em quadrinhos para adultos, com diversas críticas sociais, feitas do modo mais pesado possível. Se a realidade é violenta, por que não exibi-la tal qual é? Winshluss não poupa o leitor do grotesco, do bizarro, do absurdo - e, como efeito de hipérbole, transporta toda a desumanidade de nosso cotidiano para os amados contos infantis.




As primeiras páginas do livro já dã o o tom do que virá - uma violência descomunal, da qual nenhum personagem se salva. Todas as figuras que compõem a narrativa têm algo de mau, sendo impossível criar algum afeto ou carisma por elas. Destituídos do laço emocional, os leitores conseguem enfrentar com mais racionalidade a análise social exposta.




O livro mescla a narrativa de Pinóquio à da Branca de Neve, Cachinhos Dourados e ainda outros personagens fantásticos que vão surgindo em meio à obra. Além de toda essa diversidade temática, outro ponto interessante é a variabilidade do traço, ora com um tom mais sombrio, ora com cara de rascunho e, inclusive, cenas elaboradas de modo mais onírico.




É uma releitura em quadrinhos muito bem construída - ainda que seja de revirar o estômago.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Cenas de Abril (Ana Cristina Cesar)

O livro de estreia de Ana Cristina Cesar é inovador desde a capa, em que aparece a figura ambígua de um útero. Fragmentada e polissêmica é também a poética, em que pululam versos telegráficos, por vezes de compreensão dificílima para o leitor. Não se trata de uma tentativa de hermetismo, pelo contrário; o que causa estranhamento nos poemas é sua simplicidade cortante, com associações inusitadas e bastante diretas. Além disso, os assuntos não se mantêm ao longo dos textos; Ana Cristina salta com naturalidade entre temas complexos e diversos. Apesar de curto, é uma livro de estreia potente, com muitas possibilidades de interpretação - antecipando a grande e breve obra deixada pela autora.

1984 (George Orwell)

Vulgarizado após a criação dos reality shows , o livro de George Orwell se tornou um daqueles clássicos que todos comentam e que ninguém leu. Qualquer um quer falar com propriedade do Grande Irmão, da sociedade vigiada, mas todos esses clichês não chegam perto do clima opressor que o autor impõe à sua narrativa. 1984 é uma obra provocativa e premonitória. Ainda que as ditaduras não tenham obtido o poder previsto pelo escritor (pois se travestiram de democracia), os cenários descritos são um retrato mordaz dos nossos tempos modernos. Um exemplo: para entreter a grande massa (os "proles"), o governo do Grande Irmão tem em seu poder máquinas que criam letras de músicas de amor aleatoriamente. Essas canções, desprovidas de essência humana, são entoadas pelo povo e logo se tornam o ritmo do momento. E assim se revela mais um dos inúmeros meios de controlar uma população que não pensa, não critica e não questiona. Quando foi escrito, 1984 era uma obra futurística. Lido h

As três Marias (Rachel de Queiroz)

Protagonistas femininas para um romance escrito por uma mulher - uma mudança de perspectiva tão necessária em meio a esses nossos cânones machistas. Rachel de Queiroz é escritora de mão cheia, e não se deixa vender ao estereótipo de moça que escreve para relatar seus conflitos pessoais. Sua obra é social, intensa, mas sem diminuir o interesse psicológico de seus personagens. Trechos: "A gente pensa que a infância ignora os dramas da vida. E esquece que esses dramas não escolhem oportunidade nem observam discrição, exibem-se, nus e pavorosos, aos olhos dos adultos e aos dos infantes, indiferentemente." "-Conheça o teu lugar, minha filha.. (Isto é: 'Pense em quem é você, na mãe que lhe teve, mulher sem dono e sem lei, que lhe largou à toa, criada por caridade. A vida se mostra, à sua frente, bela, sedutora, iluminada. Mas, para você, é apenas uma vitrina: não estenda a mão, que bate no vidro; e não despedace o vidro; você sairá sangrando... Contente-se