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A Bela e a Adormecida (Neil Gaiman)

A edição da Rocco ficou tão, mas tão caprichada que dá até dó de começar a folhear o livro. No entanto, é só abrir as primeiras páginas, lindamente ilustradas por Chris Riddel, que queremos ir até o fim, ver tudo o que esta obra tem para nos revelar.



Neil Gaiman faz uma releitura dos contos da Branca de Neve e da Bela Adormecida, apesar de essa intertextualidade não ser escancarada. É como se o autor criasse o seu próprio mundo mítico, respaldado em um imaginário comum dos contos da infância.



Sua versão da história tem um viés feminista louvável, sem ser doutrinário e sem deixar que a tese central tire o brilho do enredo. É muito comum ouvirmos discursos contra as releituras feministas dos contos de fadas, apoiados na ideia de que "eu cresci brincando de Barbie e nunca tive problemas"... No entanto, em contraposição a essa fala temos a realidade: mulheres estupradas e espancadas todos os dias, passadas de mão no metrô, assovios na rua, e histórias para as meninas que ensinam que a mulher deve ficar calada enquanto espera a vinda do príncipe, seu salvador. E isto é sim um problema - o que torna o livro de Gaiman ainda mais bem-vindo.



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