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A casa do céu (Amanda Lindhout)

Apesar de já saber, antes da leitura, que se tratava de um livro sobre o cativeiro de uma jornalista canadense na Somália, não fazia ideia de que iria encontrar, na obra, um relato de viagem tão fascinante. 



Amanda Lindhout, nos primeiros capítulos, traça uma breve autobiografia, procurando entender (ao mesmo tempo que justifica para o leitor) de onde veio a sua vontade de conhecer o mundo. A autora volta à infância, cheia de traumas, para buscar as origens do seu escapismo: primeiro nas páginas da National Geographic e, após os primeiros empregos, em passagens de avião para destinos exóticos e surpreendentes.



Sem ter feito nenhuma faculdade até então, a canadense transformou seu conhecimento de mundo em trampolim para uma iniciante carreira na fotografia e no jornalismo. No entanto, por ser rechaçada nas panelinhas dos jornalistas sérios e diplomados, decide desbravar um território ao qual ninguém vai e do qual poucas notícias chegam: a Somália.

Ao longo do seu traumático e violento sequestro (que dura 15 meses), a narradora vai mostrando o seu amadurecimento e é nisso em que reside uma das melhores qualidades da obra. Em nenhum momento Amanda se coloca como heroína, ainda que enfrente estupros, violência e tortura; pelo contrário, a autora muito humildemente assume as suas falhas, destacando como o seu orgulho e recusa em ouvir conselhos a levaram a arriscar-se demais.

Outro ponto marcante na obra é como Amanda reconhece que, apesar da crueldade de seus sequestradores, eles são, na maioria, crianças que não tiveram nenhuma chance na vida e que só veem a salvação no islã fanático. 

Trata-se de uma obra de coragem, um livro fascinante pela perseverança e sabedoria de sua autora. Para este livro, nem o céu é o limite.





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