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Três anos (A.P. Tchekhov)

Tchekhov foi o meu amor à primeira vista - aquele sentimento que nos leva a mergulhar fundo, sem entender direito o que estamos fazendo e aonde iremos chegar. Não compreendi muito das suas narrativas na primeira leitura - assim como até hoje o considero um escritor quase hermético - mas, ainda assim, sua influência na minha vida foi fundamental. Por causa dele encarei um ano de russo na faculdade, e devorei autores conterrâneos na busca de suas inspirações literárias.

Depois de tanta pesquisa e certo aprofundamento na sua obra, até hoje Tchekhov é um autor que conversa mais com o meu coração. Mesmo acompanhada na leitura por obras críticas diversas, não consigo resumir suas curtas narrativas a um esquema arquetípico. Suas histórias vão ao encontro dos meus anseios.

"Três anos" não narra nenhum fato extraordinário e nem conta com personagens marcantes. Contudo, o retrato que o escritor faz da melancolia, da tristeza e do nosso certeiro fracasso é impressionante. Difícil não ficar assustado ao ver que a vida pode se resumir a tão pouco.

O enredo, que mostra três anos na vida de um casal e de seus amigos próximos, é cruel ao revelar o quanto cada um deles é infeliz. É um livro para se ler com cuidado, pois não trará nenhum final hollywoodiano mágico. No fim das contas, Tchekhov é a vida como ela é.



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