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Contos da Mamãe Gansa (Charles Perrault)

Ao fechar as portas, ano passado, a Cosac&Naify encerrou um catálogo feito para apreciadores de livros; difícil vai ser encontrar uma editora tão feliz na escolha das publicações e tão atenta a detalhes que fazem toda a diferença no mundo dos bibliófilos. Dentre as pérolas publicadas recentemente, estavam os contos de 3 grandes recopiladores de histórias populares: Esopo, os Grimm e Perrault.

Apesar de ser a edição menos volumosa de fábulas, os Contos da Mamãe Gansa foram editados com tanto capricho que é difícil não se deixar conquistar pela estética da obra. As páginas são diagramadas em papéis diferentes, por ilustradores diversos, criando um universo único para cada uma das narrativas que a compõem.



Deixando de lado a forma, a surpresa continua diante do conteúdo. Para quem não conhece as versões originais dos contos de fada, talvez a surpresa seja grande. Em vez de um mundo mágico de bondade, em que tudo se resolve com um final feliz, as fábulas estão permeadas de sangue, violência, incesto, estupro e um pouco mais de tudo o que há de pior na nossa (falta de) humanidade.

É uma volta às nossas origens, ao modo como se constituiu a sociedade ocidental. Um bom modo de compreender alguns dos mitos, neuras e problemas que até hoje nos afligem, ainda que disfarçados em versões disneyzadas dos contos de fadas.




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