Pular para o conteúdo principal

Dr. Zhivago (série de 2002)

Por seu cunho poético e filosófico, o romance o Dr. Zhivago é de difícil adaptação para o cinema. Para tentar transpor um enredo complicado e longo, o filme de 1965 contou com quase 4 horas; as demais tentativas foram realizadas por meio de minisséries, como a de 2002.




Ainda que tenham uma estrutura muito parecida, a obra mais recente me pareceu uma melhor adaptação do que o clássico dos anos 60. Foram tomadas algumas liberdades em relação ao enredo original; no entanto, a série sabe eleger os momentos mais impactantes para levar a emoção ao espectador.

Outro aspecto interessante na obra são as metáforas visuais, que dialogam mais fortemente com o conteúdo do livro. Uma das cenas mais bonitas escritas por Pasternak é o momento em que, ao perceberem que serão capturados e mortos, Jivago e Lara decidem aproveitar com intensidade seus últimos momentos juntos. Na passagem para a linguagem cinematográfica, esta cena é alegorizada por meio de um acordo entre os protagonistas, que acendem todas as velas da casa para comemorarem sua última refeição juntos.




O que mais me incomoda, em ambas adaptações, é o modo como é contada a história de Lara. Ao contrário do livro, nas telas é dado como certo que houve uma certa complacência da personagem ao entregar-se a um homem mais velho. É bastante desonesto, para dizer o mínimo, deixar de retratar uma situação de violência e abuso como tal. Além do mais, nenhuma das atrizes soube incorporar o caráter enigmático da Lara de Pasternak. A falta de diálogos mais filosóficos e da leitura de poesias, dos quais o livro está permeado, também prejudica as obras. Mas, no fim, é sempre interessante ver como o cinema e a televisão tentam traduzir a literatura. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

1984 (George Orwell)

Vulgarizado após a criação dos reality shows , o livro de George Orwell se tornou um daqueles clássicos que todos comentam e que ninguém leu. Qualquer um quer falar com propriedade do Grande Irmão, da sociedade vigiada, mas todos esses clichês não chegam perto do clima opressor que o autor impõe à sua narrativa. 1984 é uma obra provocativa e premonitória. Ainda que as ditaduras não tenham obtido o poder previsto pelo escritor (pois se travestiram de democracia), os cenários descritos são um retrato mordaz dos nossos tempos modernos. Um exemplo: para entreter a grande massa (os "proles"), o governo do Grande Irmão tem em seu poder máquinas que criam letras de músicas de amor aleatoriamente. Essas canções, desprovidas de essência humana, são entoadas pelo povo e logo se tornam o ritmo do momento. E assim se revela mais um dos inúmeros meios de controlar uma população que não pensa, não critica e não questiona. Quando foi escrito, 1984 era uma obra futurística. Lido h

Cenas de Abril (Ana Cristina Cesar)

O livro de estreia de Ana Cristina Cesar é inovador desde a capa, em que aparece a figura ambígua de um útero. Fragmentada e polissêmica é também a poética, em que pululam versos telegráficos, por vezes de compreensão dificílima para o leitor. Não se trata de uma tentativa de hermetismo, pelo contrário; o que causa estranhamento nos poemas é sua simplicidade cortante, com associações inusitadas e bastante diretas. Além disso, os assuntos não se mantêm ao longo dos textos; Ana Cristina salta com naturalidade entre temas complexos e diversos. Apesar de curto, é uma livro de estreia potente, com muitas possibilidades de interpretação - antecipando a grande e breve obra deixada pela autora.

As três Marias (Rachel de Queiroz)

Protagonistas femininas para um romance escrito por uma mulher - uma mudança de perspectiva tão necessária em meio a esses nossos cânones machistas. Rachel de Queiroz é escritora de mão cheia, e não se deixa vender ao estereótipo de moça que escreve para relatar seus conflitos pessoais. Sua obra é social, intensa, mas sem diminuir o interesse psicológico de seus personagens. Trechos: "A gente pensa que a infância ignora os dramas da vida. E esquece que esses dramas não escolhem oportunidade nem observam discrição, exibem-se, nus e pavorosos, aos olhos dos adultos e aos dos infantes, indiferentemente." "-Conheça o teu lugar, minha filha.. (Isto é: 'Pense em quem é você, na mãe que lhe teve, mulher sem dono e sem lei, que lhe largou à toa, criada por caridade. A vida se mostra, à sua frente, bela, sedutora, iluminada. Mas, para você, é apenas uma vitrina: não estenda a mão, que bate no vidro; e não despedace o vidro; você sairá sangrando... Contente-se