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Sagarana (João Guimarães Rosa)

Virei leitora de Rosa antes ainda da obrigatoriedade de Sagarana no vestibular (livro que continua na lista, dez anos depois de ter prestado a prova). E, ao contrário de tantas obras lidas na adolescência que se tornaram mais claras para mim com o passar do tempo, os textos roseanos ainda são pequenos mistérios, carregados de possibilidades que ainda não desvendei.




Lembro-me de, aos 16, 17 anos, ter gostado muito do conto "Conversa de bois", um dos últimos do livro. Ainda que pelo seu tom fabulesco e plot twist sensacional continue sendo uma das minhas narrativas preferidas, duas outras vieram somar-se à minha lista de idiossincrasias: "Sarapalha" e "A hora e a vez de Augusto Matraga".

"Sarapalha", conto de pouca ação, é extremamente delicado ao lidar com o tema da morte, da solidão e da necessidade de perdoarmos uns aos outros. Para mim, talvez seja o conto mais triste e comovente do conjunto.

"A hora e a vez..." é, como Guimarães próprio definiu, o ápice do livro: uma história bem elaborada, passível de diversas leituras, prenhe de significados. E, como última narrativa da obra, funciona como uma espécie de "final feliz": é uma bela história de perdão e amor ao próximo. 



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