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Truman (filme de 2015)

Talvez este seja um dos meus filmes preferidos com o Ricardo Darín - o que é difícil de avaliar, tendo em vista um ator com carreira tão múltipla e papéis muito diversos entre si. No entanto, o tempo (que figura, de certa forma, como também personagem do enredo) agrega tal delicadeza e profundidade à interpretação que o resultado é primoroso.




Esta é a história de um ator de teatro com câncer terminal, que decide interromper o tratamento ineficaz para viver com alguma qualidade seus últimos dias de vida. O grande dilema do protagonista - e que nomeia a obra - é com quem deixar seu cachorro Truman. Com um plot que gera tanta identificação (aos amantes da vida, dos cachorros e de Darín), o difícil seria a produção não dar certo.

Algumas produções argentinas tendem a abusar de seu renomado astro, criando cenas em que Darín tem, com seu silêncio carregado de significados, de preencher todo o take. Não é o caso aqui - ainda que seja o protagonista, as interpretações são dosadas, criando um filme sobre o relacionamento do personagem com os que o cercam - e não um monólogo solitário em face da morte.

Uma ou outra cena me pareceu desnecessária, talvez um pouco incoerente. No entanto, o que não perdoar em um contexto que anuncia a chegada da indesejada das gentes? Filme delicado e certeiro.







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