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Dunkirk (filme de 2017)

Com tantos filmes sobre a Segunda Guerra, parece cada vez mais difícil encontrar um novo viés sobre o tema. E não se trata de uma real falta de assunto - afinal, ainda há muito o que se dizer ou se reforçar sobre as atrocidades desse período - mas sobre uma ênfase constante nas mesmas abordagens. A quantos filmes sobre crianças judias em campos de concentração todos nós já assistimos, com um discurso que, ao mesmo tempo que se baseia na emoção, ainda não revela toda a crueldade da barbárie? Quantas vezes já vimos soldados estadunidenses sendo retratados como os heróis da guerra - quando, muitas vezes, eles estupravam as mulheres a que vinham salvar, por exemplo? 

Talvez por ser britânico, Christopher Nolan consegue sim um olhar um pouco diferenciado sobre o conflito; segundo as línguas ferinas, é um filme com a versão Brexit da história. Ainda assim, exceto pelo final, a verdade é que são poucas as idealizações e momentos de salvação na trama, o que a torna um pouco mais verossímil.

Outro ponto forte do enredo é trabalhar com três linhas temporais diferentes, que ora se cruzam, ora se distanciam. O efeito conseguido é deixar o espectador perturbado em relação à simultaneidade dos eventos, trazendo-o um pouco mais próximo do caos absurdo das batalhas.

Ainda que não seja um filme que marque, também não causa as emoções baratas dos blockbusters de guerra. O tema é batido, mas a qualidade do discurso é superior a de seus pares.





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