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It (filme de 2017)

Fui uma leitora voraz de Stephen King durante a minha adolescência - e, se houve algo que me fez perder a vontade de terminar a sua obra completa, foi a qualidade duvidosa de seus livros mais longos. "It" situa-se nesta linha, ainda que seja uma narrativa que eu tenha levado até o fim.

Dividido em duas partes, o mérito deste filme homônimo é aproveitar o que há de mais interessante na escrita de King, sem prender-se demais ao enredo original. Talvez a versão cinematográfica faça o que os editores do escritor parecem evitar: cortes, supressões, a redução ao mínimo essencial para contar uma boa história de horror.

Ambientado nos anos 80 (ao invés de nos anos 40, como no romance), o longa explora a recente nostalgia da década dos nerds. Com protagonistas pré-adolescentes, a obra mistura um pouco da inocência infantil com a malícia dos mais jovens, o que a torna uma delícia de ser vista (ainda que seu tema seja o horror).

Um ponto bastante interessante é o retrato dos adultos no longa. Os pais e familiares das crianças são até mais assustadores que Pennywise - talvez o objetivo tenha sido mostrar o quão assustador é o mundo dos adultos para os pequenos. No próximo filme, em que os personagens já estarão crescidos, teremos uma chance para tirar a prova se esse medo da maturidade era ou não justificável.


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