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Um operário em férias (Cristovão Tezza)

Com uma quantidade já significativa de livros de Tezza acumulada na minha estante (além das avaliações positivas que já escutei sobre ele), resolvi desbravar o autor iniciando por um livro de crônicas - o que quase sempre é uma sábia escolha.

Já de início, o autor adverte o seu leitor da sua dificuldade para transformar o romancista em um contador de causos - alguém que relata a vida cotidiana e dela consegue extrair matéria de reflexão. Ainda que o escritor admita esse problema, ele quase não é sentido pelo leitor (felizmente).

Em suas crônicas, Tezza discorre sobre as paixões comuns de todos os aficionados por livros: o prazer pela escrita, a relação com as livrarias, o acúmulo de leituras, as reflexões em torno à linguagem. Seu tom é tão familiar, como uma conversa amiga, que até as crônicas sobre futebol me pareceram interessantes.

O maior porém da seleção de crônicas para esta edição talvez sejam as relacionadas à política - por serem muito datadas, nem sempre oferecem interesse para o leitor atual (ainda que seja um livro recente, o panorama de Brasília é uma surpresa a cada semana). Uma boa escolha de estreia na prosa do escritor, o livro me serviu como um perfeito aperitivo,  ampliando o apetite por sua literatura.



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