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Dracula (Bram Stoker) + filme de 1992

O gênero é o terror, mas não exclusivamente. Escrito na forma de romance epistolar, o mais famoso livro do irlandês Bram Stoker mistura técnicas narrativas e recursos diversos para criar uma trama polifônica, irreverente e, ao mesmo tempo, com a cara de "romanção" de época.

Poucos momentos na trama são de fato assustadores. Um dos pontos mais interessantes de usar cartas de diferentes personagens para compor a narrativa (além de recortes de jornal, trechos de diário, bilhetes...) é o aspecto de quebra-cabeça que a narrativa vai tomando. Diante de discursos variados, cabe ao leitor relacionar as diferentes vozes entre si e ir desvendando o mistério aos poucos. Assim, enquanto lemos, estamos sempre um pouco à frente das conclusões a que seus protagonistas chegarão.

Mesmo sem grandes sustos, não deixa de ser um livro surpreendente. Não esperava me divertir tanto com a sagaz figura do Conde Drácula ou até mesmo torcer pela vampirada em vários momentos do romance. 

Se o livro jorra mais água com açúcar do que sangue, a adaptação cinematográfica dirigida pelo Coppola pai segue um caminho bastante diverso. Ainda que haja o tom de amor meloso também no longa, ele é imiscuído de um forte erotismo (quase ausente na obra original). Uma das graças da leitura é acompanhar a inocência dos personagens, que, por serem ingênuos, acabam caindo nas armadilhas do vampiro da Transilvânia.

A atuação dos atores que interpretam o Drácula é a maior virtude da produção. Sem ser fiel ao original e sem ser inovadora o suficiente enquanto sétima arte, é um filme que tem bem menos a oferecer que o livro.



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