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La vida es sueño (Calderón de la Barca)

Uma das minhas melhores leituras neste ano, que já acaba, foi "David Copperfield", de Dickens. E ainda é muito vívida para mim a sensação de que, enquanto o lia, pensava: "Como é bem escrito!". Essa impressão de prazer com a linguagem, de deliciar-me com a escrita repete-se aqui nesta obra barroca, de poucas páginas e avassaladora.

Contemporâneo a Shakespeare, o dramaturgo espanhol apresenta alguns elementos da poética que fizeram do bardo inglês tão atemporal: ambientação na corte, figuras nobres representando os grandes dilemas humanos, um texto em versos belamente redigido e máximas sobre a virtude, a coragem, o amor.

"La vida es sueño", peça mais reconhecida de Calderón, traz à tona um tema caro aos barrocos: a fugacidade de nossa existência. E, em uma mistura do carpe diem com a moral cristã, chega à conclusão de que, uma vez que a vida é breve, aproveitemos-la - com justiça, boas ações e inteireza.

Cheia de reviravoltas, aforismos, aventura, esta obra tem o selo da atemporalidade e universalidade; fala daquilo que nos toca enquanto humanos e nos constitui enquanto seres e sonhadores.



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