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Quase memória (Carlos Heitor Cony)

De Carlos Heitor Cony, só havia lido alguns livros com abordagem mais infantojuvenil durante a minha adolescência. Minha impressão geral sobre o autor era a de uma escrita mais direta e facilitada - o que talvez justifique o meu distanciamento de sua obra durante muitos anos.




Em "Quase memória" temos sim acesso a uma narrativa bastante simples, por vezes com uma estrutura um tanto repetitiva - mas, ainda assim, Cony consegue produzir não só um belo romance, mas uma história afetiva. Não é à toa que, quando saiu no clube literário da Tag Experiências Literárias, foi descrito como "um dos livros mais queridos da literatura brasileira".

O tema da obra é comum à maioria de nós: a relação entre um pai e seu filho. O grande diferencial da narrativa, para evitar o clichê, é a composição do personagem principal, o pai do escritor: caracterizado por meio de um olhar ora amoroso, ora sarcástico, ele é um personagem complexo e instigante.

O relacionamento com os pais, marcado tantas vezes pelo distanciamento, conflito e incompreensão, é retratado lindamente por Cony. O escritor consegue criar uma trama simples, com estilo de crônica, mas que é carregada de simbologias por detrás de uma linguagem aparentemente sem complexidades. 



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