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Antígona (Sófocles)

Reverberando ao longo dos séculos, a cultura grega clássica moldou o Ocidente tal como o conhecemos hoje. Noções como a divisão da literatura em epopeia/drama/poesia, os fundamentos da argumentação, a instituição de alguns elementos jurídicos, o conceito de democracia - ou seja, vários dos elementos fundamentais de nossa organização enquanto sociedade - já constavam em escritos muito anteriores à nossa própria contagem do tempo, baseada no surgimento do Cristo.

No tocante às narrativas, a mesma intertextualidade se observa. É como se, em certa medida, estivéssemos contando as mesmas histórias há milênios - talvez por elas serem fundamentais em nossa constituição histórica, talvez porque os seus significados profundos não foram compreendidos inteiramente até hoje.

"Antígona", a última das peças da trilogia tebana de Sófocles, é extremamente atual. O mote do drama é o conflito entre o indivíduo e o estado, sob o viés do conceito thoureauniano de desobediência civil. Com o ressurgimento atual de governos cada vez mais militarizados, o drama é ressignificado e atinge em cheio o leitor contemporâneo.

Ademais do contexto, a linguagem também nos cativa. A poesia e a força nas falas dos personagens são tocantes, e continuam a emocionar o leitor que vive mais de 2000 anos após a elaboração do texto. Sófocles é de uma concisão impressionante, capaz de transgredir e emocionar em poucas e breves falas.



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