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O alforje (Bahiyyih Nakhjavani)

Para a fé bahá'í, tudo é relativo. Assim, as diversas religiões são como capítulos de um grande livro espiritual, cujo posfácio prega a união geral da humanidade. Enquanto tantas crenças guiam-se pela exclusão, aqui vemos o entrelaçamento de gêneros, cores e modos de pensar.

Inserido no contexto de uma fé unificadora, o livro da iraniana Bahiyyih Nakhjavani é regido por um belo discurso polifônico. Ao longo de seus capítulos, personagens de extrações sociais e religiões diversas vão narrando um único episódio, do qual retiram diferentes significados.

Contar a mesma história sob diferentes pontos de vista é um recurso de enredo aparentemente fácil, que costuma descambar na inverossimilhança ou no tédio. No entanto, o sentimento predominante durante a leitura de "O alforje" é o de um estranhamento. Seus protagonistas, tão distintos de nós e tão incomunicáveis entre si, conseguem enxergar variadas verdades dentro de um breve recorte narrativo. Ao final, sobra espaço para o leitor, por sua vez, formular as suas próprias crenças dentro de uma trama sinuosa e múltipla.



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