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O livreiro de Cabul (Asne Seierstad)

"O livreiro de Cabul" é um livro-reportagem bastante marcante, que trouxe à tona várias polêmicas relativas à sua elaboração. A obra é narrada do ponto de vista da jornalista norueguesa Asne Seierstad, que foi gentilmente acolhida na casa de um mercador de livros afegão pouco tempo após o atentado às Torres Gêmeas e ao consequente colapso do regime talibã.

Imersa na cultura que a acolheu (convivendo na casa dos anfitriões, usando burca, participando das confraternizações), a jornalista pode acompanhar uma família inusual, mas, ainda assim, reflexo das tradições afegãs. Por ter sido recebida por pessoas que falavam correntemente inglês, Asne teve um vislumbre interessante das tensões que regem os núcleos familiares fundamentados no Islã e no patriarcado.

Ainda que tenha usado nomes fictícios, a escritora recebeu duras críticas por seu retrato fiel do livreiro de Cabul - afinal, foi tão fácil reconhecê-lo que ele teve de se exilar com a família no Canadá para evitar perseguições. Suas críticas ao modelo familiar também sofreram avaliações negativas, já que seu olhar ocidental não é isento de estereótipos. Apesar das polêmicas, o livro é muito bem escrito e revela aspectos surpreendentes de uma cultura tão diversa da nossa - sem dúvida vale a leitura.


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