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Museu (filme de 2018)

Inspirado em uma impressionante história real, "Museu" retrata ficcionalmente o roubo do Museu de Antropologia, na Cidade do México, em 1985. Além da magnitude do furto (foram roubadas peças de imensurável valor arqueológico), o que surpreende é a sua falta de propósito - afinal, com o destaque dado pela imprensa ao fato, os autores do crime não conseguiram repassar as peças adiante.

Para interpretar o protagonista, Gael García recorreu à leitura de Dostoiévski, o que parece plenamente justificável no contexto da trama. Assim como Raskólnikov mata a velha usurária apenas para confirmar que não é um homem comum, o mentor do roubo parece cometer seu ato mais por uma obscena vaidade do que por usura. É preciso lembrar que os dois autores do crime eram de classe média e não tinham nenhum histórico policial anterior. Assim, ainda que não seja o crime perfeito, é uma primeira tentativa impressionante - que revelou, para além de problemas de segurança, a falta de cuidado com a preservação e o entendimento da história no México.

Com uma narração bem construída, o filme vai perdendo força após a cena do roubo em si. O que incomoda não é o fato de o crime não levar a lugar algum, mas o desenrolar da história, que também parece não atender a um propósito. Esperava que o filme dialogasse um pouco mais com a história do país e expandisse a discussão para a problemática sociológica. No entanto, mesmo decepcionando ao final, é uma obra que merece a atenção.


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