Pular para o conteúdo principal

Poesia traduzida (Carlos Drummond de Andrade)

O volume de poesia traduzida por Carlos Drummond de Andrade, publicado pela extinta Cosac Naify, é um exemplo do trabalho criterioso que tanto nos faz sentir falta dessa editora. Não só há uma pesquisa intensa para recuperar os poemas traduzidos por Drummond em publicações esparsas e sob pseudônimos, como há notas contextualizadoras de cada um dos autores que passaram pelas mãos do itabirano no seu processo de encontrar correspondências poéticas entre as línguas.

Considerando o quão recentes são os estudos de tradução (que começaram a se consolidar apenas na década de 1970), é admirável o instinto que o nosso poeta, tradutor amador de poesia, tinha para o trabalho. Ainda guiado pela linha teórica francesa, que admitia verdadeiras recriações literárias pelo tradutor, o trabalho de Drummond na área tem a qualidade de não ignorar a forma.

Para cada um dos poemas traduzidos (seja do francês, do inglês, do espanhol ou de outras línguas, por meio de traduções indiretas), há uma escolha de termos criteriosa, que visa retomar um pouco do efeito que o poema original causa. Assim, não temos aqui uma visão conteudística, tão comum em tradutores iniciantes. Pelo contrário: em alguns casos, a recriação poética é tão grande que vemos mais um poema de Drummond que da fonte original. De qualquer forma, é uma interessante opção para quem deseja conhecer o outro lado de nosso escritor gauche na vida e, de quebra, ler uma ótima seleção de poesia.



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

1984 (George Orwell)

Vulgarizado após a criação dos reality shows , o livro de George Orwell se tornou um daqueles clássicos que todos comentam e que ninguém leu. Qualquer um quer falar com propriedade do Grande Irmão, da sociedade vigiada, mas todos esses clichês não chegam perto do clima opressor que o autor impõe à sua narrativa. 1984 é uma obra provocativa e premonitória. Ainda que as ditaduras não tenham obtido o poder previsto pelo escritor (pois se travestiram de democracia), os cenários descritos são um retrato mordaz dos nossos tempos modernos. Um exemplo: para entreter a grande massa (os "proles"), o governo do Grande Irmão tem em seu poder máquinas que criam letras de músicas de amor aleatoriamente. Essas canções, desprovidas de essência humana, são entoadas pelo povo e logo se tornam o ritmo do momento. E assim se revela mais um dos inúmeros meios de controlar uma população que não pensa, não critica e não questiona. Quando foi escrito, 1984 era uma obra futurística. Lido h

Cenas de Abril (Ana Cristina Cesar)

O livro de estreia de Ana Cristina Cesar é inovador desde a capa, em que aparece a figura ambígua de um útero. Fragmentada e polissêmica é também a poética, em que pululam versos telegráficos, por vezes de compreensão dificílima para o leitor. Não se trata de uma tentativa de hermetismo, pelo contrário; o que causa estranhamento nos poemas é sua simplicidade cortante, com associações inusitadas e bastante diretas. Além disso, os assuntos não se mantêm ao longo dos textos; Ana Cristina salta com naturalidade entre temas complexos e diversos. Apesar de curto, é uma livro de estreia potente, com muitas possibilidades de interpretação - antecipando a grande e breve obra deixada pela autora.

As três Marias (Rachel de Queiroz)

Protagonistas femininas para um romance escrito por uma mulher - uma mudança de perspectiva tão necessária em meio a esses nossos cânones machistas. Rachel de Queiroz é escritora de mão cheia, e não se deixa vender ao estereótipo de moça que escreve para relatar seus conflitos pessoais. Sua obra é social, intensa, mas sem diminuir o interesse psicológico de seus personagens. Trechos: "A gente pensa que a infância ignora os dramas da vida. E esquece que esses dramas não escolhem oportunidade nem observam discrição, exibem-se, nus e pavorosos, aos olhos dos adultos e aos dos infantes, indiferentemente." "-Conheça o teu lugar, minha filha.. (Isto é: 'Pense em quem é você, na mãe que lhe teve, mulher sem dono e sem lei, que lhe largou à toa, criada por caridade. A vida se mostra, à sua frente, bela, sedutora, iluminada. Mas, para você, é apenas uma vitrina: não estenda a mão, que bate no vidro; e não despedace o vidro; você sairá sangrando... Contente-se