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Banguê (José Lins do Rego)

José Lins do Rego foi um autor que li com algum afinco durante a adolescência. Lembro-me de não ter ido até o fim em suas obras completas por uma certa overdose de textos memorialísticos, lidos quase em sequência: "Menino de Engenho", "Doidinho", "Banguê", além do bastante conhecido "Fogo Morto". Ao reingressar anos depois na obra de Lins do Rego, percebo que mais um motivo pode ter me afastado durante tanto tempo de sua escrita: a figura do narrador odioso.

"Banguê" conta a maturidade do personagem Carlos de Melo, apresentado anteriormente em sua infância e adolescência nos livros de estreia do escritor. Burguês preguiçoso e incompetente (passa todo o tempo na rede, a fazer inveja a Macunaíma), o protagonista apresenta mil defeitos para turvar sua relação com o leitor.

Há traços obsessivos no personagem que lembram os de Paulo Honório (em "São Bernardo", de Graciliano Ramos). No entanto, como a linguagem de José Lins não se preocupa tanto com o esmero formal, o resultado é que as neuras do protagonista soam mais repetitivas.

Contudo, ressalto que como retrato da decadência dos engenhos em contraposição à opulência das usinas e posterior urbanização, o livro é excelente. Para mim, que havia lido recentemente "Sociologia do açúcar", de Câmara Cascudo, serviu perfeitamente como uma ilustração bem-feita de um complexo panorama histórico.




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