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A cinza das horas (Manuel Bandeira)

Foi pela leitura de Manuel Bandeira que aprendi o tom mais pausado, desconfiado e cuidadoso que o contato com o gênero poético exige. No entanto, o fato de ter sido o poeta estudado em três disciplinas diferentes no início de minha graduação fez que eu me afastasse de sua obra, buscando descobrir por conta própria outras vozes na poesia brasileira.

Quase quinze anos depois, um trabalho paralelo me levou a redescobrir o que Manuel Bandeira tinha a dizer. Superado o "ranço" de análises exaustivas sobre os mesmos poemas, deparei-me com textos que ainda desconhecia - e que se abriram em múltiplas possibilidades de leitura.

Primeiro livro publicado pelo autor, "Cinza das horas" está longe de ser uma obra redonda ou revolucionária no contexto de seu lançamento. Ainda com traços das escolas anteriores - seja o Romantismo, seja o Simbolismo ou mesmo o Parnaso -, antecipa algumas das discussões sobre a forma do poema que seriam escandalizadas na Semana de 1922. Não é um grande conjunto poético, mas traz temas universais - o amor, o tempo, a morte - trabalhados de forma a estabelecer um diálogo profundo com o leitor.


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