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Jude, o obscuro (Thomas Hardy)

Folhetim do século XIX, "Jude, o obscuro" coleciona qualidades e defeitos típicos do modo de publicação. Sua premissa básica é instigante e dialoga, surpreendentemente, com o leitor brasileiro do século XXI - assim como Jude, o protagonista, que passa a vida sonhando com uma universidade à qual não terá acesso, nós também assistimos desolados ao fim das bolsas de pesquisa e incentivos ao estudo no Brasil.

Outra qualidade notável do romance é a sua galeria de personagens complexos e a criação de um panorama bastante abrangente do contexto em que a narrativa se passa. Romance de fôlego (com cerca de 500 páginas), tem a preocupação de situar o leitor na história ao invés de propor lacunas às quais ele teria de resolver.

Apesar dos elementos que sustentam a obra, ela não consegue se afastar do efeito rocambolesco da trama. Com muitas reviravoltas e um tanto de melodrama, o livro acaba correspondendo a alguns estereótipos da literatura de folhetim do XIX. Ainda que o início interessante nos prenda ao romance até o fim, trata-se de uma obra de qualidade desigual.


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