Pular para o conteúdo principal

Autobiografia (José Luís Peixoto)

Antes de "Autobiografia", só havia lido de José Luís Peixoto o breve "Morreste-me" - excelente desde o título. Assim, por já haver tido um contato inicial com a escrita poética do autor, tinha altas expectativas em relação à obra em questão (que, apesar de intitulada como um gênero literário diverso, trata da vida e das publicações de José Saramago).

Em certa medida, o livro de Peixoto tem uma instigante proposta estrutural, que é a de mesclar a vida do biografado com a própria vida de quem escreve. Para atingir esse efeito, brinca com a homonímia dos Josés com frequência - a ponto de o leitor não saber situar a que personagem alguns trechos fazem referência. Além disso, a obra conta com uma estrutura circular bem pensada, daquelas que gerariam o desejo, no leitor, de retomar a narrativa assim que finalizasse a leitura.

No entanto, além da vontade que me faltou para reler a obra, também quase me faltou a paciência de terminá-la. Se o projeto macro do livro é bem organizado, para mim o mesmo efeito não se notou no plano da escrita; o estilo de narração não me fisgou. Há excesso de repetições, uma aposta em cenas grotescas que não se sustenta, algumas frases feitas um tanto prepotentes, além de metáforas vazias; para mim, a cena da chuva de livros sobre Lisboa no momento em que o Nobel é concedido a Saramago não vai além do kitsch e da falta de reflexão sobre a politicagem imbuída a qualquer premiação. Talvez não tenha sido o momento certo para a leitura, mais do que problemas que a obra tenha per se; mas, no geral, quase não houve motivação leitora no contato com essa ambígua autobiografia.



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

1984 (George Orwell)

Vulgarizado após a criação dos reality shows , o livro de George Orwell se tornou um daqueles clássicos que todos comentam e que ninguém leu. Qualquer um quer falar com propriedade do Grande Irmão, da sociedade vigiada, mas todos esses clichês não chegam perto do clima opressor que o autor impõe à sua narrativa. 1984 é uma obra provocativa e premonitória. Ainda que as ditaduras não tenham obtido o poder previsto pelo escritor (pois se travestiram de democracia), os cenários descritos são um retrato mordaz dos nossos tempos modernos. Um exemplo: para entreter a grande massa (os "proles"), o governo do Grande Irmão tem em seu poder máquinas que criam letras de músicas de amor aleatoriamente. Essas canções, desprovidas de essência humana, são entoadas pelo povo e logo se tornam o ritmo do momento. E assim se revela mais um dos inúmeros meios de controlar uma população que não pensa, não critica e não questiona. Quando foi escrito, 1984 era uma obra futurística. Lido h

Cenas de Abril (Ana Cristina Cesar)

O livro de estreia de Ana Cristina Cesar é inovador desde a capa, em que aparece a figura ambígua de um útero. Fragmentada e polissêmica é também a poética, em que pululam versos telegráficos, por vezes de compreensão dificílima para o leitor. Não se trata de uma tentativa de hermetismo, pelo contrário; o que causa estranhamento nos poemas é sua simplicidade cortante, com associações inusitadas e bastante diretas. Além disso, os assuntos não se mantêm ao longo dos textos; Ana Cristina salta com naturalidade entre temas complexos e diversos. Apesar de curto, é uma livro de estreia potente, com muitas possibilidades de interpretação - antecipando a grande e breve obra deixada pela autora.

As três Marias (Rachel de Queiroz)

Protagonistas femininas para um romance escrito por uma mulher - uma mudança de perspectiva tão necessária em meio a esses nossos cânones machistas. Rachel de Queiroz é escritora de mão cheia, e não se deixa vender ao estereótipo de moça que escreve para relatar seus conflitos pessoais. Sua obra é social, intensa, mas sem diminuir o interesse psicológico de seus personagens. Trechos: "A gente pensa que a infância ignora os dramas da vida. E esquece que esses dramas não escolhem oportunidade nem observam discrição, exibem-se, nus e pavorosos, aos olhos dos adultos e aos dos infantes, indiferentemente." "-Conheça o teu lugar, minha filha.. (Isto é: 'Pense em quem é você, na mãe que lhe teve, mulher sem dono e sem lei, que lhe largou à toa, criada por caridade. A vida se mostra, à sua frente, bela, sedutora, iluminada. Mas, para você, é apenas uma vitrina: não estenda a mão, que bate no vidro; e não despedace o vidro; você sairá sangrando... Contente-se