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Frankenstein (Mary Shelley)

No prefácio à edição da Penguin, a escritora Elizabeth Kostova narra sua surpresa ao reler o clássico de Mary Shelley - afinal, sua pretensa releitura nada mais era do que o contato inicial com a obra.

Clássicos incorporados à mitologia popular têm o poder de criar narrativas prévias à trama inicialmente idealizada por seus escritores. Quando falamos de obras impossíveis de catalogar no que tange às suas releituras e adaptações, as intertextualidades que as antecipam são ainda mais potentes.

"Frankenstein", no entanto, é uma obra que não decepciona um leitor que tenha criado altas expectativas sobre a trama original. Pelo contrário: o livro só cresce ao descobrirmos o quanto sua narrativa foge ao senso comum em relação à criatura gerada pelo dr. Frankenstein. Além da confusão habitual que leva a nomear o suposto monstro com o mesmo sobrenome de seu criador, outra surpresa da obra é descobrir o quanto há de mais monstruoso na figura do cientista do que em sua criação.

Publicado no início do século XIX, o livro antevê questões éticas que ainda hoje são primordiais em qualquer debate sobre o avanço da ciência. Além disso, o cenário magnânimo em que seus personagens circulam nos faz lembrar a todo momento o quanto a natureza é mais resiliente do que qualquer ambição humana.


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