Pular para o conteúdo principal

Os tradutores (filme de 2019)

São tantos os temas afins a quem está imerso no mundo da editoração, que nem sei por onde começar a enumerar os porquês de ter gostado deste filme. Entre as muitas discussões levantadas, temos:

- a falta de reconhecimento do tradutor;

- a devoção pela literatura;

- a pirataria (retratada como um elemento a ser considerado, não necessariamente como prática criminal);

- a baixa remuneração dos tradutores, especialmente quando comparada ao salário de um autor de best seller;

- o uso de pseudônimos;

- o anonimato;

- a figura do livreiro como alguém mais ligado a um mundo já extinto;

- os idiomas mais e menos privilegiados, considerando o recorte geopolítico dos países que os falam;

- a pesquisa inerente à profissão do tradutor;

- existir pelos livros.

Todos esses elementos são coloridos pelo matiz de um bom thriller, que cresce aos poucos. Assim como o romance a ser traduzido, o que o filme parece querer mostrar é que, por trás de aparentes estereótipos, podem se esconder elementos mais profundos. Dessa forma, há um recorte que inicialmente reduz os tradutores aos traços mais típicos de sua nacionalidade (o americano jovem e descolado, o grego em crise financeira, o italiano briguento, o chinês racional e moderno...), mas que é subvertido para envolver o espectador em uma trama empolgante.



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

1984 (George Orwell)

Vulgarizado após a criação dos reality shows , o livro de George Orwell se tornou um daqueles clássicos que todos comentam e que ninguém leu. Qualquer um quer falar com propriedade do Grande Irmão, da sociedade vigiada, mas todos esses clichês não chegam perto do clima opressor que o autor impõe à sua narrativa. 1984 é uma obra provocativa e premonitória. Ainda que as ditaduras não tenham obtido o poder previsto pelo escritor (pois se travestiram de democracia), os cenários descritos são um retrato mordaz dos nossos tempos modernos. Um exemplo: para entreter a grande massa (os "proles"), o governo do Grande Irmão tem em seu poder máquinas que criam letras de músicas de amor aleatoriamente. Essas canções, desprovidas de essência humana, são entoadas pelo povo e logo se tornam o ritmo do momento. E assim se revela mais um dos inúmeros meios de controlar uma população que não pensa, não critica e não questiona. Quando foi escrito, 1984 era uma obra futurística. Lido h

Cenas de Abril (Ana Cristina Cesar)

O livro de estreia de Ana Cristina Cesar é inovador desde a capa, em que aparece a figura ambígua de um útero. Fragmentada e polissêmica é também a poética, em que pululam versos telegráficos, por vezes de compreensão dificílima para o leitor. Não se trata de uma tentativa de hermetismo, pelo contrário; o que causa estranhamento nos poemas é sua simplicidade cortante, com associações inusitadas e bastante diretas. Além disso, os assuntos não se mantêm ao longo dos textos; Ana Cristina salta com naturalidade entre temas complexos e diversos. Apesar de curto, é uma livro de estreia potente, com muitas possibilidades de interpretação - antecipando a grande e breve obra deixada pela autora.

As três Marias (Rachel de Queiroz)

Protagonistas femininas para um romance escrito por uma mulher - uma mudança de perspectiva tão necessária em meio a esses nossos cânones machistas. Rachel de Queiroz é escritora de mão cheia, e não se deixa vender ao estereótipo de moça que escreve para relatar seus conflitos pessoais. Sua obra é social, intensa, mas sem diminuir o interesse psicológico de seus personagens. Trechos: "A gente pensa que a infância ignora os dramas da vida. E esquece que esses dramas não escolhem oportunidade nem observam discrição, exibem-se, nus e pavorosos, aos olhos dos adultos e aos dos infantes, indiferentemente." "-Conheça o teu lugar, minha filha.. (Isto é: 'Pense em quem é você, na mãe que lhe teve, mulher sem dono e sem lei, que lhe largou à toa, criada por caridade. A vida se mostra, à sua frente, bela, sedutora, iluminada. Mas, para você, é apenas uma vitrina: não estenda a mão, que bate no vidro; e não despedace o vidro; você sairá sangrando... Contente-se